O produto é uma maneira de a operadora aproveitar e transformar em lucro a montanha de dados gerada automaticamente por suas linhas de celulares
Votuporanga é uma das clientes do banco de dados; só não se sabe o motivo pelo qual o município pagou por isso (Foto: Apresentação Vivo)
A Prefeitura de Votuporanga é uma das clientes da SmartSteps, um produto da Telefônica, dona da Vivo (maior operadora telefônica do Brasil), que transforma dados seus usuários (atividades de voz, SMS e dados de internet) em planilhas de identificação comportamental.
A SmartSteps, plataforma de big data da Vivo, reúne informações sobre as atividades de 73 milhões de clientes da operadora no Brasil. O volume do uso de dados permite identificar, por exemplo, o local de residência dos clientes e, a partir disso, sua rotina de deslocamento.
Hoje vendido por uma divisão da Telefônica chamada Luca, o produto é uma maneira de a operadora aproveitar e transformar em lucro a montanha de dados gerada automaticamente por suas linhas de celulares. Analisar os dados de movimentação dos clientes, captados por triangulação é mais rápido e barato do que outras pesquisas do tipo, feitas com questionários e entrevistas.
O caso veio à tona após uma reportagem do site The Intercept Brasil, o mesmo que publicou uma série de reportagens sobre a Operação Lava Jato, conseguir identificar duas pessoas da lista que, em tese, deveriam ser anônimas.
Na reportagem, a jornalista Tatiana Dias afirma que compilação de dados do Espírito Santo, por exemplo, feita em 2016 e 2017, rendeu à Vivo R$ 625 mil. A Secretaria de Turismo comprou os dados com o objetivo de entender como funcionava o fluxo de turistas dentro do estado.
“A planilha com as movimentações de abril de 2016, disponível no site da Setur, tem informações pessoais de milhares de pessoas não identificadas. Mas, se combinadas e cruzadas com outras bases, esse monte de informações permite que se chegue a perfis bem específicos. E, assim, a pessoas específicas também”, diz a jornalista.
Cruzando informações do estudo e publicações de redes sociais ela conseguiu identificar o músico e funcionário Público, Jarbas da Rocha, morador de Domingos Martins, no Espirito Santo.
“Encontrei o funcionário público procurando por eventos que aconteceram naquele mês em cidades pequenas como a Festa Pomerana em Santa Maria do Jetibá. Depois, procurei na planilha pessoas que estiveram naquela cidade e que são de outras cidades pequenas, como Domingos Martins. Cheguei a algumas dezenas de pessoas. Coloquei mais um filtro: só homens. Queria encontrar alguém que estivesse na internet e fosse mais fácil de ser localizável em redes sociais – por isso, separei na planilha os dados da operadora apenas gente da classe A e B. Cheguei a um universo de apenas cinco pessoas com essas características: quatro da classe B, uma da A. Cinco que foram a Santa Maria do Jetibá uma única vez, e uma que vai esporadicamente. A seguir, procurei por posts públicos em redes sociais de pessoas que estiveram na Festa Pomerana. Encontrei a Banda Fröhlich, formada por 12 pessoas – cinco de Domingos Martins. Jarbas Rocha, vocal e saxofone, correspondia às características daquelas cinco pessoas”, explicou a jornalista.
Com isso a profissional chegou à conclusão de que: “é fácil reidentificar indivíduos para fins discriminatórios e ilícitos, como perseguição de adversários políticos, golpes financeiros e manipulações eleitorais”, conclui.
Cliente em silêncio
Além de Votuporanga, a Vivo já vendeu dados para as prefeituras paulistas de Águas de São Pedro e Guarujá, e a de São Luís, no Maranhão. A movimentação dos clientes também serviu de base para estudos no Rio de Janeiro e na ligação ferroviária entre Jundiaí e Campinas.
Procurada para esclarecer informações sobre quais dados foram adquiridos; quantos votuporanguenses constam nessa planilha; quanto a Prefeitura pagou por esse serviço; e que o município pretende fazer com esses dados, o Executivo apenas se calou. Nenhuma das respostas e nem satisfação foi encaminhada ao jornal até o fechamento desta edição.