Relembre a trajetória da pandemia de um vírus que, do ano passado para cá, ceifou quase 400 vidas no município
A técnica de enfermagem Rosimeire de Faria contou ao A Cidade como foi perder seu irmão, Jonas, e a mãe, Tereza, para Covid em menos de 15 dias (Fotos: Arquivo pessoal)
Da redação
Mães perderam filhos. Filhos perderam pais. Pais perderam esposas. Mais de 14 mil pessoas tiveram Covid, das quais mais de 13 mil foram curadas. Só que, por outro lado, quase 400 vidas foram ceifadas pela doença causada pelo coronavírus. Esse é o triste resultado, até o momento, do avanço da pandemia em Votuporanga.
Enquanto o município se aproxima da marca de quatro centenas de vidas perdidas para o coronavírus, o jornal
A Cidade traçou um comparativo entre os primeiros seis meses da pandemia e o primeiro semestre deste ano, considerando os dados dos Boletins Epidemiológicos publicados pela Prefeitura. A reportagem também revela (e relembra) histórias de perdas que marcaram o município.
Vidas perdidas
Na transição de junho para julho deste ano, a técnica de enfermagem Rosimeire Leite de Faria perdeu seu irmão mais velho, Jonas Hermínio Leite de Faria, de 56 anos, e a mãe, dona Tereza Amélia Leite Faria, de 79 anos. Rosimeire perdeu a mãe 13 dias após perder o irmão - ambos para a Covid-19.
“Foi tudo muito rápido. Uma [morte] em cima da outra. Não tem jeito nem de respirar, de tão rápido que foi. Não teve velório”, contou a técnica de enfermagem em entrevista à reportagem.
Jonas e dona Tereza moravam com Rosimeire, junto à sua filha, Piettra, de 23 anos. O irmão tinha esquizofrenia e enfrentou uma semana de combate à doença antes de falecer. Ele sofreu um infarto, causado por complicações da Covid, e morreu em casa.
“Eu cheguei do serviço, cumprimentei ele, ele me cumprimentou - ‘oi, branquinha’ - ele colocava a mão no peito e falava rouco. Ele falava ‘eu não estou muito bem’. Aí ele foi para a cama. Eu desconfiei, saí da cozinha e fui direto para o quarto. Ele estava deitado, parecia que estava dormindo. Eu falei para ele acordar. Ele olhou para mim, piscou e faleceu”, relembrou Rosimeire.
Depois disso, o quadro clínico da sua mãe, que também estava com Covid, piorou. Após perder o filho, dona Tereza parou de se alimentar e foi ficando cada vez mais fraca, até não conseguir mais andar nem respirar, conforme contou sua filha, que precisou chamar o Samu para socorrê-la de uma crise respiratória. Em seguida, ela ficou internada no Hospital de Campanha.
“Nos primeiros dias, foi tudo bem. Eles ligavam para mim, de manhã e à tarde. Os primeiros quatro dias foram bons. No dia 30, de madrugada, a saturação dela ficou muito baixa. Aumentaram o oxigênio dela. No dia 1º, logo cedo, eles ligaram para mim para avisar que ela tinha falecido. Ela infartou”, disse a técnica de enfermagem.
Agora, para enfrentar o luto, a técnica de enfermagem prefere continuar trabalhando, para evitar ficar em casa, onde viu seu irmão falecer. “Como o meu irmão era novo, eu tinha esperança de que ele fosse sobreviver. Eu chorei demais. Depois, eu ficava andando para cima e para baixo, porque não queria ouvir nem conversar com ninguém”, relembra.
Começo da pandemia
A pandemia “começou” em Votuporanga em março do ano passado. A primeira morte causada pela doença seria registrada dois meses depois, em maio. A vítima foi a idosa Nair Ribeiro da Silva Almeida, de 85 anos, moradora do Pozzobon. Na época, por mais que a Secretaria Municipal da Saúde tivesse confirmado que a idosa tinha morrido por Covid, a família não acreditava que essa tinha sido a causa do falecimento.
Após dona Nair, outros quatro votuporanguenses morreram por Covid naquele mês. Em junho, o número saltou para 14. No mês seguinte, o salto foi maior ainda: 29 pessoas morreram por conta da doença, totalizando, na época, 43 falecimentos.
Um desses votuporanguenses que tiveram a vida ceifada pelo coronavírus foi o senhor João Candido Pereira Filho, aos 83 anos. O idoso tinha Alzheimer e problemas pulmonares, que foram agravados pela doença.
“Ele foi a pessoa mais bem humorada que a gente já conheceu. Por mais que estivesse na dificuldade, tudo ele transformava em um motivo para sorrir, tanto nos problemas dele quanto os dos outros. Sempre nos fez sorrir de um jeito único. A alegria dele contagiava tanto que nem mesmo o Alzheimer ficou agressivo. Ele sorriu até o último segundo”, contou, na época, Alex Matheus Pereira Ribeiro, neto do senhor João, ao jornal
A Cidade.
Depois, em agosto, mais 23 mortes causadas pela doença fecharam os primeiros seis meses da pandemia em Votuporanga, que totalizava 66 mortes pela doença.
Avanço neste ano
Agora considerando os primeiros seis meses deste ano, a pandemia tomou proporções assustadoras quando o município foi acometido pela segunda onda, em meados de março.
Isso porque, até então, os primeiros dois meses tinham apresentado um número de mortes relativamente baixo (oito e 13, respectivamente). Em março, veio o susto: 87 mortes em 31 dias. Tanto que, até hoje, o mês é considerado como o mais mortal da pandemia no município.
Depois, a onda arrefeceu, mas os outros três meses não ficariam muito atrás no quesito mortes causadas pela doença. Em abril, por exemplo, Votuporanga registrou 64 perdas por Covid. No mês seguinte, o número caiu praticamente pela metade: 33 mortes.
Já no mês passado, os falecimentos pela doença voltaram a subir: foram 65, o que faz de junho o segundo mês mais letal da pandemia em Votuporanga. E, atualmente, já se fala numa terceira onda.