O legado da foto da Apollo 8 foi “florescer a consciência ecológica” e o homem perceber a finitude da Terra(Foto:Marcello Casal JrAgência Brasi)
O cancioneiro nacional tem mais de uma dezena de músicas que tratam de temas ligados à epopeia humana no espaço sideral. Vinicius de Moraes e Baden Powell compuseram “O astronauta”, após o soviético Iuri Gagarin ir à órbita da Terra (abril de 1961) e revelar à humanidade que “a Terra é azul”.
O cosmo, os astros e o homem no espaço também mobilizaram Erasmo e Roberto Carlos, que nos tempos da jovem guarda compuseram a homônima “O astronauta”; “O disco voador” e “Na lua não há”. Naves espaciais, a Lua, o Sol, as estrelas, e até seres extraterrestres inspiraram Gilberto Gil (“Lunik 9”); Jackson do Pandeiro (“Cantiga da Perua”); Batatinha (“Foguete Particular”), Jorge Benjor (“O dia que o Sol declarou o seu amor pela Terra”); e Rita Lee (“Alô alô, marciano”), entre outros compositores, cantores e músicas.
Caetano Veloso registra na canção “Terra” (impressa em disco de 1978) o impacto de ter visto “as tais fotografias” do planeta obtidas pela tripulação norte-americana da Apollo 8, ao registrar “o nascer da Terra” - quando o módulo espacial voou na órbita lunar em fins de dezembro de 1968.
Em seu livro de memórias “Verdade Tropical”, Caetano conta como foi ver aquela imagem pela primeira vez. “Um dia Dedé [Gadelha, primeira esposa,] me trouxe uma revista Manchete com as primeiras fotografias da Terra tiradas de fora da atmosfera. Eram as primeiras fotos em que se via o globo inteiro – o que provocava forte emoção, pois confirmava o que só tínhamos chegado a saber por dedução e só víamos em representações abstratas”.
O efeito no compositor, então preso em quartel do Exército em Marechal Deodoro, no Rio de Janeiro, repetiu aquele partilhado por centena de milhões ou bilhão de pessoas que assistiram na véspera do Natal a transmissão via satélite em que os astronautas leram os primeiros dez versos do Gênesis, enquanto pairavam sobre a Lua e faziam imagens do satélite e da Terra.
Naquele instante ou depois, ao ver as imagens em revistas e jornais, a população mundial percebeu como a Terra era pequenina suspensa em imensurável e pacato fundo negro. “Segundo dizia [o astrônomo] Carl Sagan, foi com aquela foto, foi naquele momento, que se percebeu que a Terra está sozinha em um enorme oceano escuro, que a Terra é pequena e de certa forma frágil”, cita o físico e astrônomo Roberto Dell'Aglio, do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da USP.
Para ele, o legado da foto da Apollo 8 foi “florescer a consciência ecológica” e o homem perceber a finitude da Terra. Uma perspectiva até então inédita e que baseou as preocupações preservacionistas e conservacionistas que surgirão a partir dali.
“A maior descoberta da ida à Lua foi a Terra. Ou seja, a partir das viagens, nós obtivemos da órbita da Lua uma visão extraordinária da Terra”, assinala o engenheiro mecânico José Bezerra Pessoa Filho, que trabalhou por mais de 30 anos no Instituto de Aeronáutica e Espaço (IAE) do Departamento de Ciência e Tecnologia Aeroespacial (DCTA), em São José dos Campos (SP).