Colaboração desta publicação: Prof. Manuel Ruiz Filho
Todavia, para escrever cada vez mais linhas na sua relação de bens, ele não se contenta com um só emprego. É preciso ter dois ou três; vender parte das férias, levar serviço para casa. É um tal de viajar, almoçar fora, fazer reuniões, preencher a agenda – afinal, ele é um executivo dinâmico, não pode fraquejar. Esse homem se esquece que na sua verdadeira declaração de bens, o valor que efetivamente conta, está em outra página do formulário do imposto de renda – naquelas modestas linhas, quase escondidas, em que se lê: relação de dependentes. São filhos que colocou no mundo, a quem deve dedicar o melhor do seu tempo. Os filhos, novos demais não estão interessados em propriedades e no aumento da renda. Eles só querem um pai para conviver, dialogar, brincar. Os anos passam, os meninos crescem, e o pai nem percebe, porque se entregou de tal forma à construção do futuro, que não participou de suas pequenas alegrias. Não os levou ou buscou no colégio; nunca foi a uma festa infantil. Um executivo não deve desviar sua atenção para essas bobagens. Há órfãos de pais vivos porque estão, o pai para um lado e a mãe para outro, e a família desintegrada. Sem amor, sem diálogo, sem convivência que solidifica a fraternidade entre irmãos, abre caminho no coração, elimina problemas e resolve as coisas na base do entendimento. Há irmãos crescendo como verdadeiros estranhos, que só se encontram de passagem em casa. E para ver os pais, é quase preciso marcar hora. Depois de uma dramática experiência pessoal e familiar vivida, a mensagem que tenho para dar é: não há tempo melhor aplicado do que aquele destinado aos filhos. Dos dezoito anos de casado (diz o autor do texto), passei quinze absorvidos por muitas tarefas, envolvido em várias ocupações e totalmante entregue a um objetivo único e prioritário: contruir o futuro para três filhos e minha esposa. Isso me custou longos afastamentos de casa; viagens, estágios, cursos, plantões no jornal, madrugadas no estúdio da televisão. Agora estou aqui com resultado de tanto esforço; construí o futuro, penosamente, e não sei o que fazer com ele, depois da perda de um filho e uma filha. De que vale tudo que juntei, se esses filhos não estão mais aqui para aproveitar isso conosco. Se o resultado de trinta anos de trabalho fosse consumido agora por um incêndio e, desses bens todos, não restasse nada mais do que cinzas, isso não teria a menor importância, porque minha escala de valores mudou e o dinheiro passou a ter peso mínimo e relativo em tudo. Se o dinheiro não foi capaz de comprar a cura do meu filho que se drogou e morreu; não foi capaz de evitar a fuga de minha filhinha que saiu de casa e protituiu-se e dela não tenho mais notícias, para que serve? Para que ser escravo dele? Eu trocaria – explodindo de felicidade – todas as linhas da declaração de bens por duas únicas que tive de retirar da relação de dependentes: os nomes de meus filhos. E como doeu retirar na declaração de 1.986, ano base 1985. Meu filho morreu aos 14 anos e minha filha fugiu antes de completar quinze. Extraído de um depoimento tornado público de um jornalista.