Em tramitação no Congresso Nacional, o chamado PL da Dosimetria propõe mudanças relevantes na forma como penas são calculadas e executadas no Brasil, especialmente nos crimes contra o Estado Democrático de Direito. A proposta tem ganhado destaque porque altera regras que impactam diretamente o tempo de prisão e a progressão de regime dos condenados.
De maneira objetiva, o projeto muda como o Judiciário deve calcular a pena quando uma pessoa é condenada por mais de um crime praticado no mesmo contexto. Hoje, é comum que as penas sejam somadas, o que pode resultar em longos períodos de prisão. Pelo novo texto, essa soma fica proibida nesses casos. Quando dois ou mais crimes ocorrerem juntos, passa a valer apenas a pena do crime mais grave, evitando o acúmulo.
Isso significa que, se uma mesma conduta for enquadrada em mais de um tipo penal relacionado aos crimes contra o Estado Democrático de Direito, o condenado não terá as penas adicionadas uma à outra. A punição será limitada ao delito mais severo, reduzindo significativamente o total da pena aplicada.
Outro ponto importante está na progressão de regime, ou seja, na passagem do regime fechado para o semiaberto ou aberto. O projeto reduz o tempo mínimo de cumprimento da pena para que essa mudança seja possível. Nos crimes contra o Estado Democrático de Direito, a progressão poderá ocorrer após o cumprimento de cerca de 16,6% da pena, desde que o condenado apresente bom comportamento, sem distinção entre réu primário ou reincidente e independentemente do uso de violência ou grave ameaça.
A proposta também altera a Lei de Execução Penal de forma geral. Pela nova regra, crimes com ou sem violência passam a ter o mesmo percentual mínimo para progressão: 16% da pena para réus primários e 20% para reincidentes. Atualmente, esses percentuais são mais altos, chegando a 25% e 30%, respectivamente, o que evidencia uma flexibilização significativa do sistema.
Outro destaque é a criação de uma regra de redução de pena para crimes cometidos em contexto de multidão. Quando ficar comprovado que o agente não liderou, financiou ou organizou as ações, a pena poderá ser reduzida de um terço até dois terços. A ideia é diferenciar quem participou de forma secundária daqueles que planejaram ou comandaram os atos.
O projeto também amplia as possibilidades de remição de pena para quem cumpre prisão domiciliar. Além do estudo, o trabalho passa a ser reconhecido como forma de abatimento da pena, permitindo que o tempo de prisão seja reduzido com base na atividade laboral exercida pelo condenado.
Embora o debate sobre a revisão das regras de execução penal seja legítimo, especialmente diante da realidade do sistema prisional brasileiro, o PL da Dosimetria levanta questionamentos importantes. Alterar critérios de cálculo de pena e progressão de regime não é uma mudança pontual, mas estrutural. Quando essas alterações surgem em contextos políticos específicos, sem estudos técnicos aprofundados, o risco é comprometer a segurança jurídica e a estabilidade das regras penais.
No Direito Penal, a lei deve ser geral e impessoal. Quando regras de dosimetria e execução da pena são moldadas para atender interesses ou personagens específicos, compromete-se a segurança jurídica e a credibilidade do sistema. Legislar com destinatário certo cria um precedente perigoso, no qual a lei passa a variar conforme o contexto político, enfraquecendo o Estado de Direito e abrindo espaço para o uso do Direito Penal como instrumento de conveniência.