Na noite desta terça-feira (16), a Câmara dos Deputados aprovou o texto-base da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 3/2021, chamada de “PEC das Prerrogativas” por seus defensores e apelidada de “PEC da Blindagem” por seus críticos. A proposta altera as regras de imunidade parlamentar, amplia proteções legais a deputados e senadores e torna mais difícil a prisão e a abertura de processos criminais contra parlamentares. Após a análise dos destaques, concluída nesta quarta-feira (17), o texto seguirá para apreciação no Senado.
A essência da proposta é resgatar uma regra que vigorou entre 1988 e 2001, quando a Constituição exigia autorização prévia da Casa Legislativa para que o Supremo Tribunal Federal (STF) pudesse processar criminalmente parlamentares. Na prática, isso significa que qualquer ação penal dependerá de votação secreta e aprovação da maioria absoluta da Câmara ou do Senado, com prazo de até 90 dias para decisão. Situação semelhante no passado resultou em impunidade: em treze anos, 253 investigações foram arquivadas, e apenas uma obteve autorização para seguir.
Outro ponto polêmico da PEC é a ampliação do foro privilegiado. Atualmente restrito a cargos como presidente da República, membros do Congresso e ministros do STF, o foro passaria a abranger também presidentes nacionais de partidos políticos com representação no Parlamento. Essa mudança foi alvo de críticas, mas todas as tentativas de exclusão desse trecho foram rejeitadas em plenário.
No que diz respeito à prisão em flagrante, a Constituição já prevê que parlamentares não podem ser presos, salvo em flagrante de crime inafiançável, devendo a respectiva Casa Legislativa decidir, em até 24 horas, se a prisão será mantida ou revogada. Hoje, essa votação ocorre de forma nominal e transparente. A PEC, contudo, prevê que essa deliberação passe a ser secreta, acrescentando ainda a necessidade de autorização para a “formação da culpa”, ou seja, para que o processo criminal efetivamente avance. Além disso, o texto determina que deputados e senadores só poderão ser alvos de medidas cautelares decretadas pelo STF, vedando a atuação de juízes de instâncias inferiores.
Críticos apontam que a proposta, sob o argumento de proteger a independência do Parlamento, na prática enfraquece os mecanismos de responsabilização. Ao restringir a atuação da Justiça e condicionar investigações à vontade política dos pares, a PEC cria um ambiente de blindagem institucional, onde a fiscalização externa perde força e a sociedade civil se torna refém das próprias regras criadas pelos investigados.
Organizações como a Transparência Internacional criticaram duramente a aprovação. Em nota, afirmaram que a PEC representa uma “anistia prévia” para diversos tipos de crimes, incluindo corrupção, envolvimento com organizações criminosas e até atentados contra a ordem democrática. Na avaliação da entidade, a medida prioriza interesses corporativistas em detrimento do interesse público.
A aprovação da PEC da Blindagem reflete um ambiente político em que se fortalece a distância entre representantes e representados. Ao submeter investigações criminais ao crivo dos próprios colegas de Casa, a proposta cria um obstáculo quase intransponível ao avanço de processos, reforçando a sensação de impunidade que já marcou o período em que tal regra esteve em vigor. Agora, caberá ao Senado decidir se confirma ou não esse retrocesso.