O Foto Votuporanga funcionava por 44 anos com a coordenação dos irmãos Sato; a loja funciona até os dias atuais exatamente no mesmo local, mas com a direção de outros proprietários
Irmãos Sato Yo ‘Carlos’ e Takeo em reunião familiar, nos anos 2000 (Foto: Reprodução)
Contar a história de uma cidade, quer seja uma metrópole, quer seja uma cidade pequena do interior é tarefa que requer depoimentos e ilustrações. O primeiro item é importante a fim de atestar a veracidade dos fatos narrados, mas sem o complemento do segundo, é muito mais difícil “visualizar” os detalhes dos locais e pessoas descritas. Por isso, os dois personagens que compõem este capítulo são valorosos, posto que enxergaram na fotografia a oportunidade de sair do massivo trabalho na roça. O despretensioso registro deles, no entanto, colaborou imensamente para ampliar o acervo fotográfico do noroeste paulista.
Tudo se inicia no ano de 1933, quando o Japão vivia um momento crítico na sua expansão territorial, com inúmeros conflitos na expansão de terras. Neste momento histórico, houve a abertura do país ao ocidente e a política brasileira na busca de mão de
obra imigrante. Este foi um dos grandes motivos para o Sr. Heizo e dona Kiku Sato, juntamente com os filhos Kenro ‘Pedro’ Sato, Ikuro Sato, Sho ‘Paulo’ Sato, Haruo ‘Luís’ Sato, Yo ‘Carlos’ Sato e as filhas Kuniko Sato e Tamiko ‘Carmen’ Sato virem ao Brasil. Eles embarcaram no dia 21 de janeiro do porto de Kobe no Japão, no navio Arizona Maru e chegaram à cidade de Santos em 19 de março do mesmo ano.
Nascido em 19 de dezembro de 1919, na cidade de Yubari, nosso personagem, seus pais e irmãos se estabeleceram inicialmente na cidade paulista de São Joaquim da Barra, na fazenda Santa Cecília, para trabalharem na lavoura de café. Permaneceram ali por dois anos, quando em 1935, se mudaram para a cidade de Morro Agudo, estado de São Paulo, agora trabalhando na lavoura de algodão. Posteriormente, em 1937, se mudam para Matão, passando ainda por Tabatinga (1940), Parapuã (1943) e chegando em Votuporanga no ano de 1945, no sítio Otsuki. O êxodo termina com a família deixando definitivamente a zona rural em 1952 para morar na cidade das brisas suaves.
Em depoimento, o Sr. Yo ‘Carlos’ Sato relata que ele e o seu irmão Takeo não queriam mais trabalhar com a agricultura, antes preferiam aprender uma profissão para, quem sabe, conseguir uma vida mais estável na cidade e ajudar a família. Carlos relata que tinha uma paixão por artes e por isso, foi o primeiro a ir conhecer – a até então desconhecida fotografia –, com o Sr. Kitsugoro Saito, proprietário do Foto Saito. Após ele e seu irmão Takeo aprenderem o oficio, resolveram montar o próprio negócio, oito meses depois, o Foto Votuporanga. O estabelecimento ficava na rua Amazonas bem em frente à praça da Matriz, onde na época era a antiga prefeitura e hoje se encontra a atual Concha Acústica.
O local da loja foi dividido em duas partes, o Foto e também a Mercearia Sato, onde todos ajudavam nos negócios. Já nos fundos ficava a parte residencial da família. Assim se iniciava um carinho apaixonante pela profissão, amor esse que seguiu Takeo até o final da sua vida e acompanha Carlos até hoje. Mesmo ambos aposentados, ainda faziam às vezes de fotógrafos “oficiais” das viagens e encontros familiares.
Nesses mais de 40 anos de fotografia, eles foram testemunhas oculares privilegiados das transformações da cidade e seus moradores. Com certeza você, querido leitor, já viu alguma imagem de autoria desses irmãos, já que inúmeros desfiles de aniversário da cidade, carnavais de rua e salão, jogos estudantis, casamentos, quermesses, cerimônias políticas e religiosas, além de eventos nos clubes de serviços da cidade foram fotografados por eles.Também são da responsabilidade dos irmãos as primeiras imagens aéreas de Votuporanga, com o registro das etapas da construção da Igreja Matriz Nossa Senhora Aparecida, bem como de áreas centrais da cidade. Não podemos deixar de elencar a atuação deles nas festas tradicionais da colônia japonesa, como o Bon Odori e demais eventos festivos promovidos pelo Kaikan (nome dado ao espaço onde os imigrantes se reuniam para confraternização).
Em novembro de 1954, Takeo casa-se com a Sra. Yassue ‘Helena’ Miada por meio do processo de MIAI, ou casamento arranjado, como era conhecido na época. Essa tradição é feita da seguinte forma: há um intermediador (chamado de nakodo) que é responsável por apresentar, através de fotografias, pretendentes para um futuro casamento. Dessa forma, Sra. Yassue e o Sr. Takeo conheceram-se, casaram-se e dessa união nasceu Mauro. A união do casal perdurou até o falecimento da esposa em 2011, com 76 anos de idade.
Provando que aprendera muito bem o oficio de fotógrafo, em 1956, Takeo obteve o primeiro lugar no Concurso Nacional Filme “FORTE Finepan” e como prêmio ganhou uma viagem a Europa por 20 dias. Outra façanha da família data de 1967, em que o Foto Votuporanga, agora representando pelo seu filho Mauro Sato, com apenas 11 anos de idade, fora o vencedor do Concurso Nacional Foto Mirim, promovido pela Kodak e jornal Folha de São Paulo.
O Foto Votuporanga (sob a direção dos irmãos Sato) encerrou suas atividades em 31 de agosto de 1996. Vale ressaltar ainda que o Foto Votuporanga funcionara por 44 anos com a coordenação dos irmãos Sato e que a loja funciona até os dias atuais exatamente no mesmo local, mas com a direção de outros proprietários.
Nesse mesmo ano, Takeo se mudou para São Paulo em um apartamento ao lado do filho, nora e dos netos André e Mariana, registrando ativamente o crescimento destes, em todas as fases, desde a infância até a colação de grau de ambos. O convívio e eventos familiares foram registrados por Takeo com a sua inseparável Nikon por mais de 19 anos, sempre rodeado de amigos e familiares, que testemunham o verdadeiro amor dele pela fotografia, com a acuidade de suas lentes e estilo de fotografar diferenciado.
Takeo faleceu com 95 anos, no dia 25 de março de 2015. Seu corpo foi cremado e as cinzas posteriormente espalhadas nos canteiros da Concha Acústica em Votuporanga, defronte ao prédio onde sua carreira fotográfica começou. Essa foi a forma que a família encontrou de mantê-lo eternizado na cidade que o acolheu e que ele tanto amou. Hoje, o irmão de Takeo, o Sr. Yo ‘Carlos’ reside na cidade de Taubaté.
*Texto produzido com a colaboração do filho de Takeo, o meu amigo Mauro Sato e do Sr. Yo ‘Carlos’ Sato, pessoas estimadas das quais este autor expressa grande apreço e eterna gratidão pelo envio das informações e fotografias de inestimável valor para este acervo fotográfico sobre Votuporanga.
Esta história foi extraída do livro "Votuporanga e seus personagens - Um Olhar diferenciado dos filhos das brisas", de autoria de Ravel Gimenes.