Reportagem veiculada pelo programa Fantástico, da TV Globo, em 11 de julho, confirma o que outros órgãos de comunicação, gestores educacionais, especialistas e entidades da educação, inclusive a APEOESP, denunciam: faltam professores nas redes públicas de educação básica, sobretudo de Matemática, Física e Química. Por que isto ocorre?
Em primeiro lugar, constata-se que há um excesso de professores temporários nas redes públicas, nas quais não são realizados concursos com a periodicidade e amplitude necessárias. Reportagens publicadas nos jornais Folha de S. Paulo e Jornal da Tarde em fevereiro de 2009 mostram que um em cada cinco professores brasileiros são contratados em caráter temporário. São mais de 300 mil profissionais, sendo 53,5% do total de professores da rede estadual de ensino de Minas Gerais, 48,8% em Mato Grosso e 47% em São Paulo.
Este quadro cria uma situação insustentável, pois as variadas formas de contratação existentes, que mudam de ano para ano, criam uma rotatividade dos docentes entre as diversas unidades escolares e os mantêm em constante insegurança. Além de profissionais, esses professores são cidadãos, pais e mães de família que necessitam de seus salários. A situação atual afasta do Magistério aqueles que têm condições de exercer outras profissões.
Os baixos salários também provocam a falta de professores. Em expansão atualmente, a indústria e o setor de serviços oferecem novas oportunidades, com melhor remuneração, para pessoas formadas nas áreas de Ciências e Exatas. Na reportagem do Fantástico, um professor de Matemática do Rio Grande do Sul, que é obrigado a ministrar aulas em quatro escolas para sobreviver, afirma que deixaria a profissão se surgisse oportunidade em outra área.
É preciso esclarecer por que a falta de professores atinge, além de Matemática, especialmente as disciplinas de Física e Química. Estas são disciplinas para as quais a organização curricular oferece um menor número de aulas em cada turma. Desta forma, um professor terá que compor sua jornada assumindo em muitos casos um total de 500 alunos ou até mesmo 1.000 alunos em diversas turmas, o que torna seu trabalho extremamente desgastante. Se somarmos a isto o elevado número de alunos em cada sala de aula e as sofríveis condições de trabalho, compreenderemos com facilidade porque faltam professores nessas disciplinas.
Finalmente, a carreira do Magistério, tal como hoje está constituída na maioria das redes de ensino, não oferece atrativos para muitos profissionais. A base salarial é extremamente baixa, pois o Piso Salarial Profissional Nacional, de acordo com o entendimento do Supremo Tribunal Federal, engloba também as gratificações. Há limitados mecanismos de evolução e poucos níveis salariais.
É necessário construir uma carreira atraente, que tenha amplitude para a evolução salarial e que valorize o trabalho do professor em sala de aula, permitindo que o mesmo atinja os níveis salariais mais elevados sem deixar de ministrar aulas para assumir outras funções, como a de diretor de escola ou supervisor de ensino.
Segundo a reportagem do Fantástico, o movimento Todos Pela Educação considera que a saída para o problema está nas políticas de "valorização do mérito" vinculadas a avaliações de desempenho dos professores. Ora, esta é, precisamente, a política que vem sendo implementada na rede estadual de ensino de São Paulo, sem bons resultados. A Secretaria Estadual da Educação foi até mesmo obrigada a convocar professores que não se submeteram à prova de conhecimentos que fora colocada como condição para a contratação de docentes. Por outro lado, perguntamos: o que é mérito?
Para nós, o reconhecimento e a valorização do mérito dos professores não podem ser condicionados a provinhas de conhecimentos, que não captam a experiência nas salas de aula e o trabalho de equipe da unidade escolar. Não existe processo educativo sem o professor. Ele é o centro deste processo e valorizá-lo é assegurar a qualidade do ensino.
Nossa concepção de mérito é diversa daquele praticada na rede estadual de ensino de São Paulo, que individualiza em cada professor qualidades que não podem existir fora do contexto do trabalho coletivo que é a essência do processo ensino-aprendizagem. Nesta forma equivocada de "valorização do mérito", muitos são excluídos para que o trabalho de poucos seja reconhecido. Nossa concepção de valorização do mérito, ao contrário, é inclusiva e considera que todas as funções são importantes e precisam ser valorizadas.
Somente com medidas efetivas de promoção e valorização do Magistério, salários adequados, carreira e condições de trabalho poderemos evitar que bons profissionais continuem deixando as escolas públicas em busca de melhores oportunidades em outras áreas. Com políticas educacionais corretas e o esforço de todos nós vamos construir a educação pública de qualidade que queremos e de que o povo brasileiro necessita.
Maria Izabel Azevedo Noronha - Presidenta da Apeoesp e membro do Conselho Nacional de Educação