o adeus ao meu querido pai Altino Ferreira
Distante, em terras estranhas, não vivenciei de perto o martírio pessoal dos últimos dias do meu saudoso pai Altino. Ouvia pelo telefone o relato desesperado dos meus irmãos e filha que clamavam pela minha volta, e quando cheguei o encontrei no velório. Ainda, tive, à beira do túmulo a oportunidade de saudá-lo com a mesma devoção que fizera em outras oportunidades mais alegres.
Altino Ferreira foi meu herói. Ele me deu responsabilidades e isso me fez homem. Nossa família de quatro irmãos ficou órfã de mãe na infância. Coube a mim, o mais velho dos filhos, com 11 anos, ser o consultor do pai nas decisões delicadas que ele assumiu no episódio da morte da minha mãe. E por isso, nos aproximamos ainda mais e tornamo-nos conselheiros um do outro, por todos os seus dias. O velho compartilhava das minhas decisões e dos meus negócios. A sua experiência de vida sempre me ajudava. Aprendi a respeitar meu pai pelos seus conceitos de responsabilidades com a família e a comunidade. Altino ficou viúvo aos 30 anos e assumiu, literalmente, a missão de pai e mãe, porque não admitia ver os filhos crescerem longe dos seus olhos. Naqueles tempos havia uma presunção de que "madrasta" sempre hostilizava os filhos do primeiro casamento. Talvez temendo pela nossa sorte, meu pai evitou o segundo casamento, enquanto teve filhos solteiros. E só consentiu as segundas núpcias depois do casamento da sua filha caçula. Então, encontrou em Célia Figueiredo, bondosa com ele e com os filhos e netos dele, como a sua companheira ideal que o acompanhou pelo resto da vida. Essa fidelidade de amor e carinho com os filhos que lhe custou um "viuvado" de mais de 20 anos na plenitude da sua vida. O seu gesto amadureceu na nossa consciência como a maior prova de amor e de união da família.
O pai Altino era de poucas letras. Não teve na infância acesso aos bancos escolares. Sabia para o gasto. Mas tinha um timbre comercial invejável. Sabia comprar e sabia vender. Construiu o seu patrimônio, embora pequeno, sem depender de ninguém. Vendia artefatos de madeira ou qualquer coisa que lhe dessem às mãos. Viajava todo dia e tornou-se conhecido em diferentes regiões do nosso interior. Era comum quando alguns comerciantes daqui ou de Rio Preto tivessem estoque de mercadoria encalhada procurar o "seo" Altino. Ele arrematava tudo e passava à frente com uma facilidade incrível. Era o seu ganha pão e amava a sua profissão: "sou vendedor", orgulhava-se.
Altino viveu inspirado pela sua convicção religiosa. Foi católico praticante, embora respeitasse outras crenças religiosas. A igreja em primeiro lugar: "Não há um bom cristão que não tenha amor pelo trabalho", apregoava. Na sua juventude foi um dedicado Congregado Mariano e Adorador do Santíssimo. Atuou também como vicentino do Asilo São Vicente de Paulo em Mirassol, onde moramos até 1969. Naquela cidade foi designado pelos frades para arrecadar junto aos benfeitores as doações para a construção do Seminário Nossa Senhora de Fátima. Ele teve orgulho de haver colaborado naquela obra.
Em vida foi prestigiado pela amizade sincera de muitos que o conhecera. O então vereador Chino Bolotário, certa feita, lhe homenageou com o título de "Gente de Bem" e que ele ostentava num quadro na parede da sua casa. Quem conviveu com aquele homem sabe o quanto ele foi merecedor daquela honraria.
Altino partiu. O seu bom exemplo de vida permanece. Foi uma dádiva de Deus tê-lo como nosso pai. Ensinou-nos a praticar a humildade. Aprendemos diariamente com as suas palavras, foram muitas as de agradecimentos, raríssimas as de tristezas. Choramos todas as lágrimas no seu martírio pessoal e nos momentos do seu velório. A sua imagem ficará eternamente presente em nossos corações.
A certeza de que ele foi acolhido no Reino de Deus muito nos conforta.
Estamos comovidos com a solidariedade dos amigos: pelas orações dos religiosos, gestos que confortam, os abraços de tantos amigos, os telefonemas, as visitas recebidas nesta semana e as missas celebradas nas paróquias Santa Luzia, Senhor Bom Jesus e São Bento. A todos a nossa gratidão em nome da família.
Obrigado, meu pai. Permaneça em paz no Senhor.
João Carlos Ferreira é jornalista, diretor da Rádio Cidade e jornal A CIDADE