Para falarmos sobre, se há ou não uma pedagogia para a infância, precisamos primeiramente, buscar na História da Educação, àqueles que pensaram na educação para as gerações passadas para então concluirmos sobre a pergunta acima colocada.
Sabemos, porém, que a construção do conceito de criança e infância transformou-se ao longo dos anos. No século XVII, por exemplo, Locke compreendia a criança como "um vazio a ser preenchido" ou "tabula rasa", um ser que precisava ser preparado para que aprendesse conhecimentos e desenvolvesse habilidades a fim de enfrentar os anos escolares obrigatórios.
Já no século XVIII, a criança de Rousseau é um ser inocente, que possui bondade natural em sua essência, sendo a sociedade responsável por corromper sua bondade nata. Deste modo, a partir desta crença, os adultos criam um ambiente de extrema segurança e proteção do mundo ameaçador, violento e perigoso que as cerca. Atualmente percebemos que esta crença não respeita a criança como indivíduo, ao excluí-la do mundo, ao qual ela já pertence.
Não podemos nos esquecer de outros grandes pensadores que em épocas e culturas diferentes fizeram estudos e experiências que os possibilitaram apresentar à humanidade, propostas para a educação de crianças baseadas em princípios filosóficos e pedagógicos que, nos tempos atuais, podem ser definidos como pilares de uma educação para infância.
Inúmeros são os educadores, filósofos, psicólogos e cientistas que pensaram o desenvolvimento infantil, mas não podemos deixar de destacar alguns deles, como por exemplo, Fröebel, um dos primeiros educadores que considerou a infância como uma fase importante e decisiva na formação das pessoas. Ou então, Maria Montessori que acreditava que a educação é uma conquista da criança e defendia que a individualidade, atividade e liberdade do aluno deviam permear uma proposta pedagógica. Célestin Freinet, em pleno século XIX, lutava contra o ensino tradicional, centrado no professor e na cultura enciclopédica e defendia uma educação ativa em torno do aluno. Lev Semenovich Vygotsky, por sua vez, acreditava que a escola é o lugar social privilegiado para o desenvolvimento das crianças e para compreender a relação entre os processos de aprendizagem e desenvolvimento. Jerome Bruner via a criança como indivíduo "multivocal", proativo, repleto de potencialidades, habilidades, intencionalidade e possuidor de saberes construídos, John Dewey destacava que a função social da educação era uma forma de ação política que se dava por meio das interações do indivíduo na sociedade, Malaguzzi compreendia a criança como um sujeito único, complexo e individual, revelando a visão de criança rica, capaz de surpreender e de contribuir com seus conhecimentos próprios e Piaget defendia uma concepção construtivista, ou seja, o conhecimento é um processo de criação e construção que se dá a partir de conhecimentos e idéias anteriores.
Os estudiosos acima trouxeram para nós educadores uma contribuição muito valiosa na construção de uma pedagogia para a infância. A concepção de infância/criança, de educação e de sociedade levou-os a formular teorias condizentes com essas concepções e que hoje, no século XXI, são importantes e aparecem em nossos projetos pedagógicos.
Os pressupostos pensados para o desenvolvimento da educação da época em que cada um viveu são: educação para a prática da democracia, autonomia da criança, cognição, afeto e socialização, trabalho e capacitação do aluno para a transformação do meio. Além disso, oferecem técnicas, que consideramos motivadoras e que envolvem o aluno, oportunizando a sua participação e garantindo, assim, o alcance dos pressupostos já mencionados.
A pedagogia para a infância do século XXI deve ter como pressupostos a preparação para uma vida cidadã, onde crianças têm direitos e deveres, perfil transformador, autonomia, independência, liberdade, justiça, paz e uma visão globalizada.
Atualmente, surgem novas perspectivas de criança e infância, baseadas em estudos construcionistas e pós-modernos na Filosofia, Psicologia e Sociologia. As crianças possuem seu próprio lugar na sociedade, elas podem participar de decisões democráticas, falar, serem ouvidas e acima de tudo, serem respeitadas.
A infância é compreendida por construção social, contextualizada no tempo, espaço e cultura, variando segundo gênero e condições socioeconômicas. Deste modo não há somente uma infância universal, pois se tratam de crianças diferentes com infâncias diferentes. A criança passa a ser vista como co-construtora de sua identidade, conhecimento e cultura, um ser único, complexo, individual, rico em potencial.
Este olhar diferente demonstra concepções de crianças ativas, que constroem conhecimento e dão significado às suas aprendizagens à medida que exercem a cidadania e influenciam o mundo que as cercam como co-construtoras ativas.
Além das técnicas já apresentadas pelos pensadores buscados, outras são incluídas, tendo em vista os recursos tecnológicos que estão à disposição do fazer educativo de nosso tempo.
A escola de hoje tem à disposição recursos teóricos capazes de subsidiar uma pedagogia que promove o desenvolvimento pessoal, social e cultural de nossos educandos. É preciso, porém, que os professores e os gestores dessa educação conheçam o perfil dos educandos e as teorias que orientam a construção de uma proposta pedagógica capaz de desenvolver "os ideais da paz, da liberdade e da justiça social" (DELORS, 2000).
Consideramos que os educadores que trabalham com a infância necessitam de aperfeiçoamento contínuo, buscando cada vez mais aprimorar o seu trabalho pedagógico e com isso trazer uma maior qualidade para a educação, bem como, é preciso que acreditem que a educação pode transformar.
Concluímos que a escola e os sistemas educacionais têm à disposição, pedagogias já desenvolvidas no passado que unidas com estudos recentes na área de filosofia, psicologia, sociologia, didática e metodologias podem constituir uma pedagogia para a infância do século XXI.
Nilza Eller Barros Leal é mestre em Educação pela Universidade Federal do Espírito Santo e Coordenadora da Educação Infantil e do 1º ano do Ensino Fundamental do Colégio Humboldt, São Paulo.
Rebeca Boldrin de Oliveira é pedagoga formada pela Universidade de São Paulo e Professora da Educação Infantil do Colégio Humboldt, São Paulo.