Muito se fala sobre a sublimidade do perdão, mas pouco se o concede, e isso é um dos exemplos mais claros da distância que separa a teoria da prática. Visto por muitos como sinal de fraqueza, o perdão na verdade demonstra força interior, autoestima. Quem perdoa não o faz por medo do ofensor, mas sim porque quer usar melhor sua energia vital, quer sanidade, paz. Perdoar é a forma mais humana e prática de superar uma grande dor ou de reduzi-la a um nível suportável. É comum ver vítimas cujo sofrimento é tão grande que elas sentem quase exaurir suas forças, e parece que só encontram ânimo no ódio que nutrem pelo causador desse sofrimento. Então, numa relação autofágica, cultivam o ódio para servir-lhes de alimento. Alimentam o ódio para alimentar-se dele. Isso não termina bem. O ódio não é um sentimento sadio e não deve ser nutrido. Por maior que seja o sofrimento, não se pode deixar de seguir em frente. O que serve de estímulo ao perdão, além da bondade, é a constatação inafastável de que a vida continua. O rancor emperra a vida como a ferrugem corrói o metal. O ódio contamina e, assim, transcende o odiado. Ter ódio por alguém ou por algo é odiar a própria vida. Portanto, perdoar, além de um ato de bondade, é uma necessidade vital, é uma demonstração cabal de amor à vida.
Quando se fala em perdão, vem à mente o ato de uma pessoa em relação a outra. Mas há vezes em que é necessário perdoar a si mesmo. Há ações cujas consequências não saem da esfera de quem as pratica. É comum, após fazer algo que a deixa envergonhada, a pessoa ficar como que se mortificando por isso, odiando-se, sentindo-se o pior dos seres, a ponto de evitar o contato com os outros. Quem nunca disse: “como eu sou idiota!” depois de alguma tolice ou de um fracasso? A autocrítica é saudável, porém a inclemência consigo mesmo não se justifica, notadamente quando se trata de atos cujos efeitos podem ser superados com facilidade. Nesses casos, é só conscientizar-se da própria falibilidade, tentar não incorrer no mesmo erro (se é que houve erro), levantar a cabeça e bola pra frente. Sem estar intimamente bem, não dá para ficar bem com o mundo.
A dificuldade de perdoar, em tese, é diretamente proporcional à gravidade da ofensa. Digo em tese porque não é incomum se romperem amizades, casamentos, relacionamentos, por motivos banais. Para aquelas ofensas que causam um transtorno passageiro, que não alteram o rumo da vida do ofendido, não vejo razão para guardar rancor, principalmente se o autor se desculpa ou não repete o ato. Em tais circunstâncias, nada mais eficaz para levar ao perdão do que a compreensão de que errar é humano.
Há atos mais graves, que alteram drasticamente a vida das vítimas e das pessoas ligadas a ela. Imaginem a dor de quem perde um filho por assassinato, ou de quem fica paraplégico após sofrer uma agressão física ou ser atingido por um tiro! Casos assim geram tristeza e ódio numa intensidade tamanha que torna difícil o perdão. Difícil, mas não impossível. O melhor a fazer é separar a tristeza do ódio. A tristeza não é algo de que se possa desvencilhar de um dia para o outro; leva tempo. Então é bom ocupar-se com atividades saudáveis e esperar o tempo agir. Quanto ao ódio, pode ser aplacado se se entender que nutri-lo não vai fazer a vida voltar ao “status quo ante”, não vai desfazer o que foi feito. Por isso é bom sempre procurar crescimento espiritual. Ninguém está imune a certas agruras que só um espírito forte é capaz de superar.
O perdão pode ser expresso e direto (“eu te perdoo”), ou demonstrado por gestos que revelam desejo de paz, sem exigir um ato formal e solene, e muitas vezes se manifesta de uma maneira que pode dar a impressão de não o ser. Pode não parecer, mas o simples deixar de querer dar o troco na mesma moeda, de não desejar vingança, já é uma forma de perdoar. Mas tem de ser definitivo. Nada de pensar em revide. Se a vítima faz que esquece, mas fica aguardando oportunidade para uma retaliação, é porque não perdoou. Nesse caso há um grande risco de a vingança ser um ato mais atroz. Voltarei ao tema.
Paulo Pereira da Costa, promotor de Justiça e autor do livro “Pensando na Vida” paulopereiracosta@uol.com.br