Quando eu era jovem cronologicamente as coisas me pareciam bem diferentes das formas que as vejo hoje. Será que as coisas mudaram ou mudou dentro de mim a forma de enxergá-las como realmente são? Acho a última observação mais verdadeira. Mudou dentro de mim a maneira de enxergar as coisas. Sou mais prudente hoje e mais verdadeiro. Diga-se de passagem, que a idade não me roubou a juventude por nenhum momento. A juventude é um estado de espírito e jamais será uma fração de tempo na minha existência. Mas sempre fiquei a pensar se naquela época as coisas eram realmente diferentes ou se a gente é que distorcia os fatos. Francamente ainda me acho imaturo para me sentir seguro na escolha de um ou de outro. O interessante é que os fatos são os mesmos em todas as circunstâncias familiares, apenas mudam de endereço e por vezes de intensidade. Pessoas melhor preparadas sofrem menos com situações de desequilíbrio. Num dia comum, mas sombrio pela notícia, fiquei sabendo que minha mãe escondia dentro de si um incômodo ainda indecifrável. Mas ela sabia do que se tratava porque mães são sábias, são santas e sabem das coisas muito antes delas acontecerem. Se tivéssemos o mundo governado por mães nem precisaríamos pensar em paraísos no além. O éden seria aqui mesmo. Reflita que eu não disse um mundo governado por mulher, eu disse por mãe. Tudo seria muito diferente porque o amor seria a moeda de todas as trocas. Infelizmente é um tanto utópico isso. Mas a triste notícia é que um câncer alojara-se no seio esquerdo de minha mãe e naquele tempo isso era sentença de morte. Graças ao avanço da ciência e a conscientização das mulheres na precaução dessa inconveniência isso hoje tem sido detectado e facilmente eliminado. Os homens em situações idênticas é que têm sido mais torrões, mais resistentes a exames e cada vez mais sujeitos a riscos desnecessários. Acabam evitando o desejável e optando por contar com a sorte. Isso não é o racional. Mas o que eu queria dizer mesmo é que no momento que fiquei sabendo que seria de bom alvitre retirar o seio esquerdo da minha mãe, fiquei imaginando como esteticamente ficaria ela. Como seria uma mulher com um dos seios mutilados? Seria igual aos sobreviventes de guerra com pernas amputadas? Pena que não me deu tempo de dizer a ela que a falta de um dos seios me dava o direito de, quando abraçá-la, sentir o seu coração muito mais perto do meu. Esse coração doce que sorriu e chorou por mim. Sorriu ao saber que fui concebido em seu ventre, chorou quando estive doente, vibrou mais ainda quando voei sozinho em busca do meu futuro. Mãe, eu sinto seu coração perto do meu quando te abraço mesmo estando distante, sinto o palpitar compassado dele assim como aquela música que cantava quando me embalava no berço. Mesmo agora que não estamos convivendo fisicamente você continua sendo a luz que clareia o meu mundo. As pessoas que se sentem molestadas por sintomas físicos difíceis de serem solucionados devem acreditar que seu caso tem solução, graças à evolução de todas as ciências e da mão invisível que Deus deixa sobre a aura de cada um. Hoje somos mais livres quando buscamos intensificar nossos dias. Lendo um trecho de um dos livros de Rubem Alves, meu escritor predileto, dizia o texto: “Ela estava com câncer. Sabia que iria morrer. Mas não queria morrer. Era muito cedo. Havia muita coisa a ser vivida. Então, teve um sonho. Era um jantar, muitos amigos reunidos, comendo. Aí um garçom dirigiu-se a ela e segurou a borda de seu prato para tirá-lo. Mas ela não terminara ainda! A comida estava gostosa. Seu prato estava cheio. Segurou então o prato para impedir que o garçom o levasse. Ela queria comer tudo o que estava no seu prato, até o fim. Houve um momento imóvel: o garçom, decidido a levar seu prato, e ela, decidida a não deixar que ele o fizesse. Passados alguns segundos nesse impasse, ela olhou para o garçom, sorriu, largou o prato e disse: ‘Pode levá-lo...’. “ Nesse dia, minha mãe foi embora e nunca mais me foi dado o direito de ouvir sua voz, talvez até tenha decidido isso. Consolo-me vê-la um dia sabendo que a falta do seio não fará nenhuma diferença para o amor que existiu entre a criadora e sua criatura.
Professor MSc. Manuel Ruiz Filho - manuel-ruiz@uol.com.br
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