Estamos chegando ao final de mais um ano, marcado por períodos de intensa emoção. Ninguém consegue, por exemplo, esquecer aquela derrota para a Holanda, que nos tirou da Copa, ou as trocas de acusações e denúncias veiculadas durante a campanha eleitoral, que evaporaram após 31 de outubro. Mas, o bate-papo deste artigo é “Educação para o consumo” em um mundo em constante transformação. Atraídos por centenas de ofertas e induzidos por apelos publicitários, que cumprem muito bem o seu papel, consumimos muito além de nossas reais necessidades. Em geral, pensamos com os olhos e compramos por impulso, sem medir o tamanho de nosso bolso.
Dizia uma respeitável anciã sobre a arte de poupar – ”precisaríamos gastar como nos tempos de nossos avós, ganhando o que ganhamos hoje”. Obviamente, nossa personagem está coberta de razão, mesmo não seguindo a cartilha capitalista que coloca o consumo crescente como necessário à expansão da produção, ao crescimento econômico, à maior oferta de empregos e renda. A ordem, portanto, é consumir para crescer. Assim, é nesse cenário de um mercado interno em acelerada expansão que precisamos nos educar para o consumo, para que, individualmente, não venhamos a sofrer as consequências de um modelo coletivo de desenvolvimento. Modelo, aliás, que vem sendo cada vez mais contestado pelos especialistas, por levar ao esgotamento dos recursos do planeta e ao aumento da poluição.
A primeira dica é evitar gastos maiores do que nosso salário mensal, mesmo com os apelos do crediário. Este é um instrumento válido, mas desde que a compra seja muito bem planejada. O mesmo se diga do cheque especial, que somente deve ser utilizado em casos excepcionais. O ideal seria sempre primeiro ganhar, poupar e depois gastar. Isso evita ônus desnecessários com juros e outros encargos. Obviamente, a aquisição de bens de maior valor, como a casa própria, o sonho da maioria dos casais que se preparam para uma vida em comum, somente será possível através de prestações mensais ajustadas ao poder aquisitivo.
Embora essenciais, essas dicas não são seguidas por grande parte dos brasileiros. Uma pesquisa realizada pela Associação Nacional dos Executivos de Finanças, Administração e Contabilidade (Anefac) e divulgada pela mídia recentemente mostra que a educação para o consumo ainda não é conceito enraizado em nosso povo. O levantamento aponta que 57% dos consumidores pretendem usar o 13º salário para quitar dívidas, isto é, gastaram em meses anteriores mais do que o tamanho do salário. O índice é 7% inferior ao do ano anterior, mas isso por conta do aumento da oferta de emprego.
O estudo mostra também outro dado relevante no que diz respeito a essa tendência de consumo. Apenas 3% do total de entrevistados pretendem poupar uma eventual sobra do 13º salário. O número é baixíssimo e revela que o brasileiro não cria o costume de provisionar, mesmo sabendo que o início do ano é carregado de despesas tributárias, como o IPVA e o IPTU, e outros gastos pesados como matrículas, livros e uniformes para quem tem filhos em idade escolar. As dívidas do passado não se transformam em lição para o futuro. A falta de comprometimento e zelo pelo próprio bolso acaba sendo o grande vilão nesse ciclo vicioso de endividamento.
As palavras organização e planejamento precisam, efetivamente, entrar em nosso dicionário de consumidores. O crédito cada vez mais facilitado é realmente tentador, mas o uso ajuizado do dinheiro e o exercício constante da poupança são fundamentais para se iniciar um ano no azul, convictos de que o consumo consciente é um bom caminho.
Milton Dallari é sócio-diretor da Decisão Consultores Associados, ex-diretor do SEBRAE-SP e conselheiro da Associação dos Aposentados da Fundação Cesp;