Em um dia alegre de janeiro de 1998, Carina deu o ar da graça. Lá se vão quase treze anos e parece que foi ontem. Como o tempo passa! De tanto que se revelou risonha, acho que no caminho veio ouvindo muitas piadas, contadas por dona cegonha. “Olha para o céu, tira seu chapéu/ pra quem fez a estrela nova que nasceu” (“Espacial”, de Belchior). Carina, vejo-a neném: “fofinha de densas madeixas, de olhos de jabuticaba, me deixa te fazer cosquinha, te dar colinho, sentir esse cheirinho, apertar essas gordas bochechas”. Saci-pererê, unidunitê, engatinha no assoalho, balança o chocalho, olha Carina, tem papinha pra você. Esboça um passinho, equilibra, apoia no sofá, fica em pé, vamos lá. Leitinho morno, barriga cheia, bateu o soninho, dona sereia, um beijinho e vamos nanar. Mais um pouco e a vejo pirralha. Mariposas rodeiam a luz, você corre de fruta como o diabo foge da cruz. Sem vigilância estrita, perde-se no mundo do lanche com batata-frita. Carina, você é demais, pensa em tudo, tem umas ideias legais, me deixa mudo com suas tiradas geniais! Ativa e criativa, dá vida a qualquer objeto, nada é descartável, tudo serve. Espirituosa, curiosa, carinhosa, voa nas asas da imaginação que ferve. Tem discernimento de gente madura, vitalidade, pura verve. Interestelar, vai longe, percorre galáxias, a imaginar. “...Quem não quiser deixar a terra em que vivemos/ pelos astros onde iremos/ vai ouvir, ver e contar/ tantas estrelas quantas forem nossas naves/ noutros mares mais suaves/ a voar, voar, voar” (“Espacial”, de Belchior).
Agora a vejo mocinha. Como toda filha, tem segredos que só com a mãe compartilha. Cabelos naturalmente encaracolados, look caprichado, ar sempre festivo, põe adesivo brilhante no notebook. Sai sempre bem na foto, acha maneiro ler, desenhar, fazer teatro, andar na garupa da moto. Carina, o poeta reverencia a lua, a furadeira elétrica aposentou o arco de pua, a madrugada refresca o ar e silencia a rua, você, no eterno jeito de menina, no sorriso que encanta, no olhar que fascina, tem uma simpatia toda sua. Multitalento, elétrica, puro movimento, você é gente fina, gente que faz, gente de paz, luz que ilumina. Não tem filial sem matriz, nem mestre sem aprendiz, Paris lembra a Torre Eiffel, abelha lembra mel, sexta-feira vem a Cris (Titê, Titê...), estrelas brilham no céu, você, incansável, faz mil desenhos no papel.
Filhota, tudo vai mudando e a gente nem nota. Cada um segue sua rota e de repente, como sem onde nem quando, já é outro mundo, é outra situação, é outra patota. Às vezes queremos a amizade antiga, a mão amiga, a saudade brota... Se às vezes ficamos sós, é para fazer o que ninguém pode fazer por nós. As mães ‘não são eternas, por isso a gente rompe o cordão umbilical e aprende a andar com as próprias pernas. Para certos objetivos não há atalho. Só se os atinge com muito trabalho. Para o objetivo ficar mais perto é preciso seguir pelo caminho certo. A vida é uma longa estrada, uma grande caminhada, o que se almeja às vezes está distante, mas é preciso aproveitar cada instante pelo caminho, sem tanta pressa de chegar, pois na verdade o mais importante, legal mesmo, é o caminhar. O que parece pouco pode ser muito; o que parece muito pode ser quase nada. A vida é assim... um tanto... Ora se está no entretanto, ora no portanto. Cabe à gente saber o limite, ver o encanto.
Na longa estrada é preciso ter a alma limpa, visão desembaçada. Melhor o augúrio quanto menor o lado espúrio. Às vezes portas se fecham, mas se abrem janelas, e é possível enxergar através delas. Não cai nessa de que mais vale um pássaro na mão do que dois voando. Melhor de verdade são todos voando, é liberdade. Quem a gente trata bem vem para junto de nós pela própria vontade. Carina, neste mundo tem muitas coisas difíceis de explicar. Com o tempo, algumas chegam a clarear, outras... A gente faz o possível; o resto, espera pra ver no que vai dar. Vale vaidade, vale ambição, mas é bom moderação. Nada de extremos. Se o ego fica maior do que o cérebro e o coração, a gente emperra e tem de passar por uma revisão. Tudo tem seu tempo; atrevida pode virar atraso de vida. Carina, a luva protege a mão, o sabão limpa a sujeira, a chuva molha o chão e fortalece a roseira, na Serra da Mantiqueira está Campos do Jordão, a nuvem passageira encobre o avião, o gás eleva o balão, você, menina fagueira, mora no nosso coração.
Paulo Pereira da Costa, promotor de Justiça e autor do livro “Pensando na Vida” paulopereiracosta@uol.com.br