Quando éramos criança coisa comum era a gente ouvir dos mais velhos: “você não enxerga um palmo à frente do nariz”. Por vezes até nos irritava essa tal expressão. Por que será que falavam isso para a gente? Será que a visão do adulto era perfeita ou nós é que mantínhamos uma incômoda miopia cerebral? Seria muito mais lógico isso. A compreensão não era e nem continua sendo uma ferramenta muito dominada por todos, principalmente pelos mais novos e os de menos experiências. Enxergávamos as coisas como os adultos, mas a nossa interpretação era um tanto atrapalhada. Não conseguíamos discernir que os problemas eram iguais em todos os lares. A falta das coisas era comum na maioria das famílias. Muitas crianças morriam antes de completar seu primeiro ano de vida porque o poder aquisitivo era baixo e a assistência pública era um caos. Pouquíssimos eram aqueles que podiam desfrutar de uma fartura em todos os sentidos. Muitos, quando tinham sobra de comida faltavam-lhes a educação. Outros, quando tinham sobra de educação faltavam-lhes comida. Outros ainda, não tinham comida e nem mesmo educação. Esses viraram políticos e hoje são abastados. Desdenham da maioria e lutam por coisas não exclusivamente úteis que chamamos de posição social e econômica, aliás, mais econômica do que social. Mas tem gente boa na política, felizmente. Essa foi a infância daqueles que hoje já ultrapassam a marca do meio século. Passada a fase prematura da miopia no cérebro nos tornamos adultos e descobrimos que a grama do vizinho não é mais verde coisíssima nenhuma. Todos nós estamos a velejar no mesmo barco e sujeitos ao sabor das mesmas ondas. Grande parte das pessoas continua com a sensação de que algo muito animado está acontecendo em algum lugar para o qual ela não foi convidada. É ilusória essa realidade. Mais parece fruto de uma sociedade ansiosa, formada pela vontade de ‘ter’ do que pela coerência do ‘ser’. O domínio do ‘ter’ sobre o ‘ser’ empobrece o ser humano. As crianças, nas escolas, têm comportamentos agressivos, resultado de uma insegurança que lhes tem sido plantada por separações inúteis e desnecessárias. A juventude persiste em considerar-se deslocada e impossibilitada de ser feliz como os do apartamento vizinho, acabando por adentrar na busca incessante e inconsequente de drogas lícitas e não lícitas, numa triste aquisição dos bilhetes de passagem para uma viagem sem volta. É preciso que deixemos de ficar ligados na grama do vizinho porque ela é tão cheia de beleza e impurezas quanto a nossa. As festas nos outros apartamentos são frutos da nossa imaginação, infectadas por luzes que não brilham por sorrisos que não riem e por notícias pouco verdadeiras. Nem sempre o que brilha é ouro, ditado popular de tempos passados. As pessoas notáveis atiçam muito suas vitórias, mas escondem suas angústias, amortecem suas aflições e comprimem suas fraquezas. Alardeiam suas paixões e fortunas a ponto de que todos pensem que eles moram no paraíso. Paraíso não é um local geográfico onde só ficam os poderosos; é um estado de espírito peculiar de quem continua quite com a verdade que nem todos conseguem. Precisamos colocar nossos pés no chão e que isso seja feito neste próximo ano. Vamos amadurecer um pouco mais e entender que a grama da vizinhança mais parece cinzenta do que propriamente verde. Enfrentaremos em 2011 momentos de luz e de penumbra. Nos momentos de luz aproveitemos para melhorar nossa convivência com a família, com nossos amigos, nossos colegas. Nos momentos de penumbra falemos com Deus. Vamos dividir com Ele nossa fé e nossa gratidão. Nossa miopia tem cura. Basta que acreditemos no possível. Não vamos nos esquecer que as melhores festas acontecem dentro do nosso próprio apartamento.
Professor MSc. Manuel Ruiz Filho - Votuporanga - manuel-ruiz@uol.com.br
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