Como escreveu Robert Musil, ‘cada coisa só existe dentro dos seus limites’. Há que se ocupar com cada coisa o tempo/espaço certo, pois exceder em uma significa usurpar o tempo/espaço de outras. Não se deve levar ao pé da letra o dizer de que o céu é o limite. Grande parte dos problemas decorre da dificuldade de delimitar ações, ocupações e preocupações. Exageros em umas, faltas em outras geram desequilíbrio. O limite da autoridade está na lei; ultrapassada esta, vem o abuso, conforme “bem” demonstrou o Delegado de Polícia que agrediu o cadeirante. O ganho determina o limite dos gastos; ir além gera desajuste financeiro. A necessidade de lazer delimita o trabalho, e vice-versa. O cansaço exige o repouso. A sede pede água. Há sabedoria em respeitar o que a mãe natureza impõe. Água morro abaixo, fogo morro acima. Quem constrói em encostas, após suprimir a vegetação que as protege, sabe do risco de ver tudo desabar. Se há limite para algo, é porque sair dele conduz ao seu oposto. Com as chuvas de janeiro, imóveis são tomados pela água, e aí se diz que a água invadiu as casas. Será que não é o contrário?
Os fisicamente avantajados e/ou mais musculosos devem ter especial cuidado no uso da força física. Se se valem da violência para resolver seus problemas, passam a impressão (muitas vezes verdadeira) de que sobra no corpo o que falta no cérebro. Por outro lado, se, mesmo com a vantagem física, não conseguem vencer seus desafios, então, no dizer dos outros, são molengas. Em todo caso, é melhor ser fisicamente forte do que fraco, pois não são poucas as oportunidades em que é necessário carregar peso no sentido literal. Dias atrás, penei, como penei!, para erguer uma TV e encaixá-la no suporte fixado na parede; não seria mal um pouco mais de força e estatura. De resto, é salutar definir bem o limite entre a força física e a força da alma, procurar sempre uma maneira racional, inteligente, de enfrentar os problemas; o uso da força muscular deve ser reservado para quando for de fato indispensável.
No campo do saber, há que se diversificar e distribuir o aprendizado, de forma a que os conhecimentos sejam realmente úteis nas várias situações do dia a dia e sirvam para tornar melhor o convívio, ao invés de colocar barreiras à coexistência. No clássico “Elogio da Loucura”, o pensador Erasmo, sobre a necessidade de moderação no terreno filosófico, diz: “Por conseguinte, seríeis duas vezes ingênuos se quisésseis elevar-vos acima do nível comum, com toda a vossa ciência filosófica. Que pensais que obteríeis com isso? Podeis estar certos de que, além de vos custar muito caro semelhante propósito, chegaríeis ao ponto de não saberdes tolerar mais ninguém e de não poderdes por mais ninguém ser tolerados. Resultaria, enfim, que ninguém seria capaz de apreciar o vosso gênio e de penetrar os vossos sentimentos”.
Dizem que a gente só pode entrar numa floresta até o meio, pois depois está saindo. Entretanto, se a saída consiste em voltar para o mesmo ponto de ingresso, porque o mais que circunda a floresta é desconhecido, então o avanço além da metade significa maior dificuldade no retorno e possibilidade de se perder. Saber o limite requer senso de realidade. Na luta pelos objetivos é comum deter-se perante obstáculos comuns da vida por não os distinguir de falsos limites. O que às vezes parece o ponto final nada mais é do que uma barreira que com persistência se pode transpor e seguir adiante. Em muitos casos, o limite real está muito além do que se imagina. Parece que a superfície terrestre se encontra com o céu logo ali adiante; fica a impressão de que é possível chegar lá. Porém, por mais que se avance, a distância que separa daquele ponto permanece a mesma, o que mostra que o campo de movimento é muito maior do que se supõe. O raio de visão delimita o raio de ação. Às vezes diminuímos nosso raio de ação por insistir em olhar para baixo e reduzir drasticamente nosso horizonte. Se a visão de mundo é reduzida, também o é o campo de ação. É necessário romper as fronteiras quando elas são apenas fruto da imaginação. Por isso, é bom pensar bem antes de “jogar a toalha”. Outras vezes o limite está bem aquém, e então erramos por ignorá-lo; isso é comum na alimentação. No mundo dos extremos residem os erros. Está enganado tanto quem pensa que nada pode quanto quem acha que pode tudo.
Paulo Pereira da Costa, promotor de Justiça e autor do livro “Pensando na Vida” paulopereiracosta@uol.com.br