O diferencial para o ser humano, em comparação com os outros animais, é o cérebro mais evoluído, que permite maior inteligência e possibilita muito mais do que simplesmente guiar-se pelo instinto. Quando a pessoa ouve que está agindo de forma pouco inteligente, é porque salta aos olhos seu comportamento meramente impulsivo, irrefletido, indigno do seu poder de raciocínio. Agir sem pensar não dá boa coisa. Certas pessoas revelam muito cedo incomum aptidão, ou para cálculos, ou para idiomas, ou para a música... São os pequenos gênios, que requerem especial atenção, por incrível que pareça. Diante da complexidade da vida e do mundo, a capacidade inata em alguma área não afasta a necessidade de adquirir capacidade em outras. Do contrário, mentes privilegiadas acabam se tornando gênios indomáveis, com dificuldades de relacionamento devido a instabilidade emocional, intolerância, manias, propensão ao vício em drogas e bebidas, alma atormentada, tendências suicidas. Genialidade e loucura simultâneas fazem parte da biografia de grandes personagens da história da humanidade.
Um dom não garante que a pessoa possa bem gerir a própria vida. O músico Wolfgang Amadeus Mozart, mesmo legando ao mundo inúmeras obras-primas, sempre padeceu de dificuldades financeiras e morreu com apenas 35 anos, doente e endividado. A cantora Amy Winehouse tem 27 anos e ganha fortunas, mas pode não ir muito além dos 30 se persistir na relação nada saudável com as drogas e o álcool. Assim, se muitas pessoas comuns, sem facilidade de aprendizado em certas áreas, frustram-se, o mesmo ocorre com muitas dotadas de certa genialidade. Aquelas padecem de complexo de inferioridade pelo baixo poder cognitivo que julgam ter, acham-se burras, e por isso sofrem. Já os considerados gênios podem encontrar o sofrimento quando descobrem que, a par de sua superioridade em alguma coisa, deixam a desejar em outros campos da formação humana, que precisam satisfazer necessidades básicas e ater-se a limites como qualquer pessoa, que o mundo real é diferente daquele que imaginam. Ou seja, ambos os grupos podem sentir infelicidade por motivos opostos, mas de efeito prático comum: a dificuldade de encontrar um ponto de equilíbrio na condução da vida.
A inteligência é diretamente proporcional ao exercício das funções cerebrais. Maior atividade da mente significa mais capacidade de memorização e de raciocínio. Peculiar ao cérebro é o fato de que ele não se desgasta com o uso. Tanto melhor quanto mais utilizado, mais desafiado. É salutar ativar o cérebro e ampliar a inteligência para aprender, adquirir cultura, conhecimento, saber formar as próprias idéias, tirar as próprias conclusões, analisar fatos e atos de forma lúcida e isenta, ter poder de decidir o que é melhor, ser uma pessoa mais equilibrada e segura de si. A inteligência não é o destino, é um instrumento, um veículo que pode levar aos objetivos almejados. Ser inteligente, por si só, não assegura certas qualidades que, a meu ver, dependem mais da criação e educação recebida na infância. Inteligência não garante caráter, honestidade, integridade, bondade, decência. Muita gente simples e com pouca instrução possui essas virtudes. Por outro lado, há um sem-fim de pessoas inteligentes, mas desonestas, cruéis, insociáveis, invejosas, arrogantes, obsessivas. Inteligência não garante nem mesmo êxito pessoal e profissional. Não raro, alunos brilhantes não se saem tão bem na vida como alguns aparentemente menos inteligentes.
Portanto, o que torna melhor a pessoa não é a inteligência, mas o seu modo de usá-la. Muitas vezes, todavia, a pessoa se dá mal não pelo mau uso da mente e sim pelo não uso; é quando age feito um ser descerebrado. Quem se vicia em drogas, em jogo, quem descuida da própria saúde, por mais alto seja o seu QI, está deixando de usar a cabeça. Atos que levam à degradação moral e física são desprovidos de inteligência. Pior do que ser burro é ter inteligência e não usá-la. O uso do intelecto só é realmente benéfico e proveitoso se rompe as barreiras da mera órbita acadêmica e, concretamente, ajuda a pessoa a lidar de forma correta com a vida, interagir bem com o mundo e realizar seus desejos sem prejuízo nem a si mesma nem a outrem. A verdadeira inteligência é uma árvore sadia que dá frutos. Bons frutos.
Paulo Pereira da Costa, promotor de Justiça e autor do livro “Pensando na Vida” paulopereiracosta@uol.com.br