Juliana tem 11 anos, cursa a 6ª série do Ensino Fundamental e, como a esmagadora maioria da população estudantil brasileira enfrenta sérias dificuldades no aprendizado da matemática. Ficou para recuperação no ano passado e neste ano, também. Até o ano passado, estudava em uma escola pública. Porém, os problemas comportamentais dos alunos maiores, as faltas freqüentes dos professores e as licenças por motivos variados eram tão freqüentes, e o ambiente lá se tornou tão deletério, que o pai dela, por fim, consentiu em pagar por uma escola particular.
Juliana é minha sobrinha e afilhada. Ela me conta, por telefone, que o conteúdo deste bimestre é a famigerada equação de segundo grau, e que não consegue resolver os problemas. Que na sua classe, com 25 alunos, 17 estão de recuperação e com o mesmo problema!
Pergunto a ela: “tantas crianças na mesma classe com dificuldade, a sua professora não ajuda vocês e explica quantas vezes forem necessárias, até que vocês se sintam seguros na solução das equações?” “Não, tia”, responde a menina. “Ela fala pra gente se virar!” Imperdoável!
Minha irmã vem ao telefone e me explica: “já reclamei, não adiantou nada. O pai vai lá semana que vem, falar com a diretora da escola”. O problema, lembra bem Regina, é que as dificuldades da Juliana e de outras crianças não se iniciaram agora, quanto ao aprendizado da matemática. As dificuldades só fazem se acumular, pois o processo de ensino-aprendizagem foi deficiente desde o início da alfabetização. Se a criança não aprendeu e não domina, por exemplo, as quatros operações básicas, soma, adição, multiplicação e divisão, como entender e resolver questões mais elaboradas, como as tais equações de segundo grau?!
Howard Gardner, psicólogo norte-americano, desenvolveu uma teoria denominada de Inteligências Múltiplas, que considera o cérebro humano com oito tipos de inteligência: a Lógica (raciocínio lógico), Lingüística (comunicação e expressão), Corporal (dança, ginástica olímpica), Naturalista (físico, químico), Intrapessoal (análise), Interpessoal (liderança, empatia) Espacial (jogador de futebol) e Musical (músicos, cantores). Gardner diz que a maioria das pessoas tem apenas uma ou duas inteligências desenvolvidas. Os que dominam mais de duas são considerados gênios.
Partindo da premissa de que todos têm capacidade para aprender, respeitadas as múltiplas inteligências da Teoria de Gardner, qual é o problema do ensino-aprendizagem da matemática, e o fracasso escolar de nossas crianças e jovens nos mais variados exames, tipo Saresp, Enem, Enade, Pisa etc.? Juliana é uma criança dócil, sensível e inteligente. Resta evidente que não tem a inteligência lógica desenvolvida para a aprendizagem da matemática, mas, desde que estimulada é perfeitamente capaz de aprender.
A professora dela, sem dúvida, é parte importante desse problema, assim como as professoras anteriores. Os pais também têm parte no problema, se considerarmos que grande parte de nós, adultos, também fomos um fracasso em matemática, nos intimidamos com ela e temos uma tendência em acreditar que isso é normal, que a matemática é muito difícil e a pior disciplina para aprender, um verdadeiro castigo escolar na vida de toda criança!
O problema da matemática é o sistema escolar inócuo que se pratica no Brasil, fruto das políticas públicas pífias e desinteressadas na resolução da questão. O problema da matemática reside principalmente no Ensino Superior, que se preocupa demasiado com fazer os alunos aprenderem sobre Marx, Weber, Piaget, Vigotsky, Skinner, Ford etc.; e se preocupa pouco em fazer os alunos aprenderem, e dominarem, gramática, matemática, história e geografia. Temos vários anos de Organização da Educação Básica e Psicologia da Educação na grade curricular e apenas um semestre para estudar Língua Portuguesa e Metodologia da Matemática.
É provável que o problema da matemática seja justamente eu, e milhares de pessoas que estarão se formando nas mesmas precárias condições. Em breve estarei formada e constato que, neste momento, também não sei resolver equação de segundo grau, e tenho sérias dúvidas se serei capaz de resolver sequer as de primeira!Aprendi, faz séculos, mas esqueci, pois nunca mais necessitei usar.
Como, então, ensinar o que eu não sei? Antes que eu me esqueça: a Juliana mora e estuda na Capital. Mas não se tranqüilizem, pois, o problema relatado acontece nos quatro cantos do país. Que problema!
Norma Moura é advogada e estudante de Pedagogia. (kairosbrinquedos2009@hotmail.com)