Uma das melhores bandas da década de 80 era o “The Smiths”, que tinha à frente o vocalista e letrista Morrissey e suas impagáveis performances no palco. Uma de suas músicas se chamava Panic, e o verso inicial era: “Panic on the streets of London/ Panic on the streets of Birmingham/ I wonder to myself/ Could life ever be sane again/ On the Leeds side-streets that you slip down/ I wonder to myself” É claro que a letra ilustra outra situação, mas podemos interpretá-la à luz dos ocorridos recentes na capital inglesa.
Pânico é o que deve ter ocorrido em Londres após as atitudes intempestivas de dezenas de saqueadores em alguns fatídicos dias atrás de agosto. A notícia já é de conhecimento de todos: com a desculpa de que um jovem havia sido morto desnecessariamente pela polícia londrina, alguns de seus familiares e amigos foram à frente da delegacia cobrar algumas explicações. Após o incidente, vários jovens começaram a saquear lojas de grifes e eletrônicos de última geração.
A própria imprensa inglesa, que julgava inicialmente estar presenciando uma “revolução”, acabou horrorizada com os fatos subsequentes. Não eram os estrangeiros os culpados por toda a baderna (como normalmente costumam imaginar os europeus), eram, na sua maioria, jovens ingleses, não só dos bairros onde os eventos estavam ocorrendo, mas de outras localidades, que se dirigiram ao epicentro dos episódios com o intuito de “garantirem” suas roupas e eletrônicos.
Muitos interpretaram os fatos como uma maneira de inclusão social. Afirmam que o “mundo capitalista” é excludente por sua natureza. A culpa, essencialmente, seria do sistema. Seria este o caso? Há tempos se discute se todo roubo deve ser visto da mesma maneira. O filósofo santo Tomás de Aquino (1225-1274) afirma, por exemplo, que em caso de sobrevivência física, não seria injusto roubar um alimento, mesmo que fosse ilícito. O aquinate fala de uma situação peculiar já no séc. XIII. Não me parece que ter a roupa X ou o telefone Y se enquadrem nessa ocasião.
A demora em conter a situação se deveu às férias da polícia. Sem a intervenção estatal inevitavelmente voltamos ao estado de natureza hobbesiano. Regressamos ao estado de guerra de todos contra todos. Nestas conjunturas não há ninguém para garantir a propriedade e a segurança. Em casos extremos, como desastres naturais, há num primeiro momento um aumento significativo de saques de bens para sobrevivência básica, o que é razoável; com o passar do tempo, acentuam-se os casos de estupros e outros atos abomináveis.
Os jovens ingleses se aproveitaram de uma situação circunstancial e tentaram se esconder no anonimato, tapando os próprios rostos. Se a causa fosse tão digna, teriam escancarado os rostos para o mundo. Pensaram como a maioria dos seres humanos: no próprio bem estar e na satisfação pessoal, o que incluí possuir objetos de desejo. Sem o Estado podemos satisfazer nossos desejos, mesmo que utilizemos atos pouco nobres.
Já disse em outra ocasião ter receio em relação ao Estado e todos os seus métodos para tentar manter a paz, mas tenho temor maior de uma multidão enfurecida tentando conquistar seus Ipads.
Colocar toda a culpa no sistema pelos eventos ocorridos é excluir a responsabilidade pessoal pelos atos ilícitos cometidos. Normalmente, esta é a desculpa usada pelos que se julgam “abandonados”.
Émilien Vilas Boas Reis é graduado em Filosofia pela Universidade Federal de Minas Gerais