Aprender simplesmente a ler um mínimo e assinar o próprio nome fazem, sem dúvida, alguma diferença em relação ao analfabetismo completo. O alfabetizado adquire certa consciência de si e cresce em autoestima e dignidade. Paulo Freire conta-nos a alegria comovente de um trabalhador rural quando conseguiu ler a primeira palavra. Iluminou-se-lhe o rosto de satisfação. Vitória sobre a noite escura das palavras.
Hoje, porém, o mundo caminhou muito. Ingressamos de corpo perdido na sociedade do conhecimento. Cada dia se exige das pessoas mais saber e capacidade de interpretar textos e realidades. Certa empresa resolveu escolher operários a partir do simples teste. Pôs o operário diante de um aparelho desconhecido e deu-lhe um manual de instruções. Pediu-lhe que fizesse funcioná-lo. Supôs bom nível de leitura, intelecção e aplicação do conhecimento a determinada máquina. Estamos, portanto, longe do mero soletrar de algumas palavras.
O processo de alfabetização tem início, mas não fim. A sociedade necessita criar contínuas situações de aprendizado para as pessoas, partindo do patamar em que estão para graus superiores. Por volta das décadas de 50-60, fez sucesso o programa “o céu é o limite”. Premiavam-se os candidatos que mostrassem conhecimentos sempre mais amplos sobre dado tema até que errassem ou desistissem e levassem o prêmio então acumulado.
Hoje não se trata de programa de TV, mas da vida. A enfática frase do apresentador João Silvestre “está absolutamente certo”, quando a resposta dada era correta, soa hoje desafiadora para todo cidadão. As profissões bem simples estão a pedir conhecimentos exatos para que o candidato seja promovido ou não perca o emprego. Lá se era desclassificado de uma competição secundária. Hoje se marginaliza e se exclui do todo da vida social quem não cresce em conhecimentos.
A vida presente apresenta dois tipos de chances para os que se situam nas camadas inferiores da sociedade. Há jogadas quase do acaso que arrancam subitamente alguém de lá e o projeta nas alturas pelo esporte, pela música, por algum talento extraordinário pontual ou até mesmo pela loteria. Chances reservadas para poucos. E não pode ser o caminho político da educação.
A via lenta passa pelos estudos, pelo suor diário nos bancos da escola, pela constância em continuar aprendendo. Se o primeiro fascina pela rapidez e fulgor dos vencedores, este segundo abre possibilidades para as maiorias. Cabe, então, apostar nele já que o Brasil conta com milhões de habitantes fora do ciclo da cultura moderna e carecem de estímulo e estruturas para nela inserir-se e crescer. Não basta a tintura inicial. Que cada um ouça, como Elias, a voz do anjo: “Levanta-te e come! Ainda tens um caminho longo a percorrer” (1Rs 19, 7).
*João Batista Libânio é teólogo