A solidariedade concretiza-se em projetos amplos que envolvem continentes, nações, grupos humanos em extrema necessidade. Bento XVI, ao escrever à Chanceler da República Federal da Alemanha, Doutora Angela Merkel, por ocasião do Encontro do G-8, felicita-se por o tema da pobreza no mundo constar da ordem do dia com referência explícita ao Continente africano.
Tal temática merece “a máxima atenção e prioridade, tanto em vantagem dos Estados pobres como também dos ricos”, acrescenta o Papa. Não se trata de mera generosidade solidária, mas de real “dever moral grave e incondicionado”, prossegue Bento XVI, “assente na pertença comum à família humana, assim como na dignidade e destino conjuntos dos países pobres e dos países ricos que, mediante o processo de globalização, se desenvolvem de modo cada vez mais estreitamente interligado”.
A carta do Sumo Pontífice desce a medidas concretas de solidariedade e justiça no referente a “condições comerciais favoráveis”, à “anulação completa e incondicionada da dívida externa dos países pobres fortemente endividados”, a investimentos médicos e farmacêuticos para solucionar o problema da saúde dos países pobres e a outras medidas coercitivas a fim de evitar evasão de riquezas daquelas regiões para o mundo rico.
Assim se configura a grande solidariedade. Existem, porém, as formas pequenas do cotidiano. Não exibem o esplendor dos milhões de dólares. Revelam, no entanto, a mesma beleza humana de ir ao encontro do necessitado. Em quantas creches e asilos, hospitais e favelas, periferia urbana e rural, milhares de pessoas gastam energia e tempo, ao sanar o corpo e espírito de doentes e carentes, ao re-dignificar pessoas aviltadas por miséria indigna do ser humano.
Só o olhar divino recolhe todos esses gestos e guarda-os na infinita memória de sua misericórdia. Vai recitá-los no dia do juízo, como o maravilhoso sermão escatológico de Mateus 25 nos recorda.
Encanta-nos quando já se transmite às crianças, desde cedo, tal sentimento de solidariedade. Elas crescem em clima sadio de preocupação com o outro em frontal reação à ideologia dominante do consumismo, do narcisismo, do individualismo levado ao extremo.
O coração infantil, massa mole, grava fundo as primeiras experiências. Pais e educadores carregam pesada responsabilidade de incisar nele as letras do amor e da solidariedade, antes que os programas de televisão, as conversas fúteis o sequem no fechamento egoísta.
Solidariedade transforma-se em cultura lá onde os gestos, os sinais ordinários, as imagens veiculadas, os atos narrados e engrandecidos a refletem de modo que ser solidário se torna regra de gramática e o contrário cataloga-se como solecismo.
*João Batista Libânio é teólogo