Articular os temas da educação e da pedagogia com os temas da moral e da ética é situar-se na difícil, mas necessária, articulação entre ação prática e reflexão teórica. Essa difícil articulação se verifica, de imediato, na ambiguidade que percebemos __ nas esferas escolar e educativa __ entre o discurso sobre a importância da ética e as efetivas ações que atualizariam essa aparente convicção teórica. Na dinâmica escolar, o olhar sobre a ética muitas vezes não passa de uma atividade transversal, quando não é reservado apenas a um educador responsável por elaborar reflexões éticas para os alunos. Assim, a ética é apenas um fragmento desconexo de uma politica educativa mais ampla.
O contexto no interior do qual as escolas contemporâneas se inserem traz a marca de uma sociedade democrática e multicultural, na qual a mobilidade se verifica em praticamente todos os níveis: pessoal, social, tecnológico, ecológico, etc. Nesse contexto, diante das múltiplas e muitas vezes contrastantes visões existentes sobre a vida, o homem e a sociedade, começa a se perceber a falta de referências éticas para a educação escolar. Isso se torna cada vez mais significativo e desafiador, uma vez que a escola está na mediação entre o individual e o coletivo.
Será o ser humano um ser naturalmente social, como pensava Aristóteles? Ou será que devemos concordar com os teóricos do contratualismo, especialmente Hobbes, quando se referem ao homem como ser individualista? A resposta que dermos a essa questão, seguramente, trará implicações e decorrências na esfera da educação política.
A articulação dos temas da educação e da ética __ ou da moral e da pedagogia __ nos insere na esfera dos valores. E, de imediato, reconhecemos que “valor” não é termo unívoco, mas há pluralidade de sentidos para esse termo. Em termos gerais, valor costuma ser compreendido em duas diferentes direções, a subjetiva e a objetiva. Por um lado, concebe-se valor como a característica da coisa que é estimada ou desejada por um sujeito ou por um grupo específico. Por outro lado, o valor se refere à característica presente no objeto, na coisa ou na realidade que recebem e merecem maior ou menor estima por parte dos indivíduos.
Em conformidade com a tradição filosófica, especialmente impulsionada a partir da reflexão de Rousseau, o ser humano não é concebido um ser moral por natureza. Inicialmente, o que caracteriza o homem é sua dimensão impulsiva e egocêntrica. Somente através das mediações da educação e das leis, que constituem a cultura, o homem será inserido na esfera da moralidade.
A passagem do estado de natureza para o estado civil determina ao homem uma mudança muito notável, substituindo na sua conduta o instinto pela justiça e dando às suas ações a moralidade que antes lhes faltava. É só então que, tomando a voz do dever o lugar do impulso físico, e o direito o lugar do apetite, o homem, até aí levando em consideração apenas a sua pessoa, vê-se forçado a agir baseando-se em outros princípios e a consultar a razão antes de ouvir suas inclinações. Embora nesse estado se prive de muitas vantagens que frui da natureza, ganha outras de igual monta: suas faculdades se exercem e se desenvolvem, suas ideias se alargam, seus sentimentos se enobrecem, toda a sua alma se eleva a tal ponto, que, se os abusos dessa nova condição não o degradassem frequentemente a uma condição inferior àquela donde saiu, deveria sem cessar bendizer o instante feliz que dela o arrancou para sempre e fez, de um animal estúpido e limitado, um ser inteligente e um homem.
É nessa passagem da natureza para a cultura, ou seja, do reino do determinismo para a dimensão da liberdade, que nascem os valores. Assim, na esfera natural não há valores, normas ou leis; apenas necessidades e vida impulsiva. Ao contrario disso, na dimensão cultural, estamos diante da subjetividade humana que aprende a reconhecer e a atribuir valor a determinadas realidades, considerando sua relevância para certas finalidades, sempre presentes nas ações humanas.
Dessa forma, o ato de valorar, de reconhecer ou atribuir valor tem direta relação com as experiências vividas, tanto pessoal quanto socialmente. Aqui, coloca-se todo o desafio para a educação comprometida com a formação do sujeito moral e ético, capaz de dar as razoes do seu agir e responder pelas consequências de seus atos.
Nessa dinâmica, a grande dificuldade para a educação comprometida com a construção de valores éticos e morais está em proporcionar aos alunos experiências e vivencias que despertem e alimentem a dimensão da sociabilidade humana. Educar para a dimensão comunitária requer a aprendizagem do diálogo, método primordial para gerenciar os necessários conflitos, sempre presentes em autênticos encontros. Considerando que o bem comum, que é a saúde do corpo social, engloba o bem particular, a saúde de seus membros, é preciso ensinar e aprender a construir consensos sobre os processos capazes de garantir o interesse coletivo.
Essa tarefa educativa é inalienável. Há muita ênfase em educação que pode e deve ser minimizada ou mesmo abandonada, especialmente as abordagens centradas no professor e nas habilidades da mera evocação ou memorização. Torna-se fundamental a aprendizagem da vida em comum, com todas as implicações decorrentes.
Entre essas exigências ou urgências que se colocam para a educação na construção de valores está a necessidade de, inicialmente, problematizar o contexto vital da era contemporânea. Vinculada a essa problematização nascerá a reflexão sobre os excessos praticados e as carências presentes no cotidiano da cultura. Em decorrência disso, nascerá a percepção dos grandes desafios e tarefas que deverão ser assumidos coletivamente. Destacamos algumas demandas urgentes para a construção de uma nova sensibilidade e de uma nova inteligência, requeridas pelos novos tempos: inicialmente, a aprendizagem do valor do limite que deve estar presente em toda ação, como condição para garantir qualidade de vida para as gerações de hoje e de amanhã. Em segundo lugar, esse aprender a pensar coletivamente, com responsabilidade para com as futuras gerações, deve assumir compromisso com a derrubada do paradigma antropocêntrico, que fez do homem o senhor que domina todas as outras formas de vida, gerando uma cultura que caminha na direção da morte do todo, da teia de relações. Nessa revisão paradigmática, é preciso repensar o paradigma econômico que deve deixar de ser visto como fim, que tudo subordina a si. É preciso aprender a ressituar a economia como instrumento a serviço de um reino de fins, caracterizado como sociedade inclusiva e sustentável.
Esse consenso sobre os objetivos éticos indispensáveis para a educação faz um retrato do ideal a perseguir. Este ideal torna-se a imagem, a figura humana, social e ambiental que queremos e devemos construir. Com base nisso é que deverão ser construídos os novos conteúdos da educação. Dessa forma, o olhar ecológico integral deve estar na base de todas as disciplinas. Contudo, como poderá assim ser e estar se esse olhar ecológico integral inexiste no projeto pedagógico da instituição e/ou na mente e na postura cotidiana do educador?
*Celito Meier é teólogo, filósofo e educador