Em diversos lugares do mundo, os jovens têm ido às ruas para protestar. Os árabes parecem mais certos do que querem: o fim de regimes ditatoriais e alguns quase absolutistas. Na Europa e nos Estados Unidos, os movimentos possuem uma pauta mais imprecisa, embora de viés mais econômico: questionam a precarização do trabalho, o domínio da lógica puramente econômica nas relações sociais e o poderio ilimitado do senhores das finanças.
No Brasil, especialmente na ocupação da reitoria da USP, a luta é menos ambiciosa. Deseja-se impedir a presença da Polícia Militar no campus universitário. As marchas anticorrupção em diversas cidades brasileiras podem ser lembradas dentro desse quadro, mas ainda lhes falta o elemento comum da ocupação mais ou menos permanente do espaço público como forma de protesto. São, normalmente, passeatas organizadas, principalmente por meio das redes sociais, em dias representativos da história do Brasil. O uso convocatório das redes os aproximam dos demais movimentos, mas a transitoriedade dos atos os distanciam. Pelo menos, por enquanto.
A falta de uma ideologia muito nítida e de lideranças notáveis, associada à inexistência de projetos de transformação e poder, exceção, em parte, aos árabes, deram munição às críticas de esquerda e de direita. Muitos atribuem a esses movimentos um impulso inconsequente de rebeldia, uma aura pequeno-burguesa de insatisfação com as autoridades e com a perda do poder aquisitivo, uma versão pobre de Woodstock ou mesmo uma forma sublimada de delinquência. No caso paulista, a defesa do campus sem PM foi interpretada como reivindicação estudantil de uma área livre para o uso de drogas, instituindo-se uma espécie de café holandês a céu aberto.
De todos eles, apenas as agitações nos países árabes têm obtido um relativo sucesso. Derrubaram um ditador e um tirano, mas, à falta de projeto político bem definido, não sabemos aonde chegarão ao fim. No Egito, por exemplo, os militares no poder não se diferenciam muito do estilo do agastado e destituído Mubarak. Na Líbia, também reina a incerteza.
Na Europa, nem de longe se veem sinais de vitória anticapitalista ou de reformas dos ganhos extorsivos no mercado financeiro. Ao contrário. Diante da crise econômica por que passam os países, as medidas de aperto fiscal sangram o torniquete dos direitos sociais. Para sermos otimistas, podemos dizer que os indignados conseguiram, no máximo, atenuar o pH dos programas de ajuste. Mas ainda é cedo para prognósticos adequados.
Nos Estados Unidos, as tentativas dos “ocupantes” renderam apenas prisões e mídia, sem que nenhuma lei ou política de regulação do capital financeiro tenham sido consideradas a sério pelo establishment. No Brasil, as passeatas têm minguado e os ocupantes da USP sequer puderam resistir aos PMs equipados de armas, cães, helicópteros e mandados judiciais de desocupação.
O número de indignados e de ocupantes ainda é muito pequeno para produzir o barulho exigido para mudanças no rumo das sociedades. Com o perdão da metáfora, são ainda rajadas de cuspe lançadas ao vento. Tudo leva a crer que o capitalismo seguirá sua trajetória de riquezas e vendas de ilusões, usando e abusando do direito e dos direitos. Não podemos deixar de saudar, porém, o ressurgimento de uma juventude, ainda que munida de iphones e laptops de última geração, que não se acomoda no conforto dos shoppings. Juventude que, rompendo com a esquizofrenia dos videogames, resolveu ir às ruas mesmo que mais para demonstrar insatisfação com os problemas do mundo do que para ofertar receitas de solução.
A pecha recorrente de elitismo dos indignados não pode desqualificá-los, pois, nos movimentos verdadeiramente revolucionários, foram, em grande parte, os filhos da classe média que, feito os atuais, ergueram as bandeiras e barricadas das transformações, enquanto seus pais colaboravam, direta ou indiretamente, com os poderes constituídos e com o status quo. Os poucos médios que gritavam viram o coro de vozes aumentar com o tempo e conseguiram mudar a prosa. Em outros casos, quando as ações ficaram aquém das ideias, os movimentos foram incorporados pelo capitalismo, virando produto de consumo. O hippie chique foi um deles. Qual será o destino das atuais manifestações? É difícil prever. Certo, a história não se repete, mas às vezes se copia.
*José Adércio Leite Sampaio é jurista