1. O PLANEJAMENTO DA AULA
Vamos iniciar uma série de reflexões sobre o tema da avaliação escolar. Iniciaremos a nossa reflexão sobre o primeiro passo essencial para a realização da natureza da educação, que pretende desenvolver habilidades e competências relacionadas à progressiva autonomia intelectual e ética do estudante.
Há um conhecido ditado que diz: “nenhum vento sopra a favor de quem não sabe para onde vai”. Nesse sentido, é preciso saber do destino que queremos construir, do projeto antecipado em nossas mentes e do horizonte para o qual e no interior do qual nos movemos, como condição estruturante para a adequada avaliação das estratégias e recursos mais condizentes e apropriados ao fim pretendido: construção da autonomia intelectual e ética, postura critica e habilidade argumentativa, presença cidadã e sensibilidade humanitária.
Dessa forma, o primeiro foco sobre o qual nos concentraremos nessa reflexão concernente ao processo avaliativo é a avaliação do planejamento da aula. Deve ficar muito claro, de início, que não estamos falando em resultado imediatamente mensurável, mas em processo de múltiplos e articulados momentos e dimensões. Antes de entrar em sala de aula, muito investimento deve ser feito no planejamento de todo o processo educativo, que será permanentemente avaliado, à luz do horizonte que nos estabelecemos como direção.
PLANEJANDO AS UNIDADES DE ENSINO E APRENDIZAGEM DA ÁREA DE CONHECIMENTO.
Cada área de conhecimento tem seus conceitos estruturantes sobre os quais e a partir dos quais todo o complexo tecido do saber se constrói. Por isso, o primeiro passo é o mapeamento do campo do saber, captando e estabelecendo as relações constituintes dessa área de conhecimento. A ausência dessa percepção implica, fatalmente, fragmentação e ausência de progressividade no processo de ensino e aprendizagem, uma vez que os conteúdos programáticos, na falta dessa percepção, aparecem sobrepostos, não pensados de forma articulada.
Se no planejamento da unidade temática houver, por parte do educador, a sensibilidade e o discernimento para construir essa progressividade na teia do saber, seguramente haverá, com maior probabilidade, discernimento diferenciado na escolha das melhores estratégias que possibilitarão a construção dessas relações.
A complexidade estruturadora do real, percebida pela sensibilidade do olhar do educador, solicita um segundo passo essencial para a construção de um significativo processo educativo. Torna-se insuficiente o olhar do especialista de cada área ou disciplina. Infelizmente, nossas práticas pedagógicas cotidianas continuam sendo alimentadas, predominantemente, pelo olhar do especialista isolado. É preciso fomentar o encontro dos diferentes olhares possíveis sobre o mesmo tema.
Trata-se do reconhecimento da interrelação existente entre as diferentes áreas do conhecimento, que hoje se encontram artificial e metodologicamente separadas pela cultura escolar. Assim, torna-se fundamental, no processo de planejamento das aulas, que as unidades de ensino e aprendizagem sejam construídas por educadores de diferentes áreas de conhecimento. Por exemplo, os professores de Filosofia, Sociologia, Historia e Geografia, com a possibilidade de inserir outros olhares e sensibilidades, compõem um subsistema do grande sistema. Lutar contra a fragmentação dos saberes em disciplinas desconexas é um dos maiores e mais urgentes desafios para o fazer pedagógico de sala de aula. Experiências realizadas nessa nova formatação do planejamento das aulas em rede, composta por áreas afins, sinaliza para conquistas que a abordagem tradicional não permite.
Cotidianamente, queixamo-nos e ouvimos desabafos de professores referindo-se a falta de habilidade dos alunos em estabelecerem relações. Lamentamos a consciência do imediatismo e a falta da visão processual e prospectiva de nossos alunos. E não raro, no cotidiano, ouvimos a expressão: “ele [o aluno] não pensa.... parece que pensar dói”. E, contudo, são “nossos” alunos. Não será, talvez, que estejamos cobrando dele algo que nossas aulas não proporcionam? Será que o nosso fazer, em sala de aula, fomenta a dimensão reflexiva? Provavelmente, o aluno esteja reproduzindo, devolvendo justamente o que lhe passamos, da forma como passamos e da forma como talvez, também, estejamos solicitando; ou seja, fragmentadamente, em forma de evocações ou interpretações meramente lineares.
Infelizmente, muitas práticas escolares petrificadas pelo tempo e pela falta de sensibilidade aos novos tempos caminham na contramão de um processo de ensino e aprendizagem de qualidade. Por exemplo, as nossas costumeiras reuniões de professores trazem quais preocupações? Discorrem sobre quais conteúdos? As preocupações permanentes revelam quais focos? Na maioria das vezes, somos “bombeiros” ou “disciplinadores”, distantes de nossa missão maior, separados ou divorciados de um verdadeiro projeto educativo.
Essa demanda por trabalho em equipe de professores que, antes de entrarem em sala de aula, estudam juntos o mesmo tema, reconhecendo e estabelecendo as relações que compõem o todo, torna-se imprescindível em qualquer Projeto Político e Pedagógico Escolar que esteja voltado para o ensino e a aprendizagem de qualidade, não centrado no professor, mas na construção intersubjetiva, entre professores e alunos, parceiros nesse processo investigativo. Pois, imperceptivelmente, cada professor costuma trabalhar e fazer trabalhar da forma como aprendeu. E nós, educadores, precisamos aprender a refletir juntos, a pensar a complexidade do nosso tema de estudo em questão.
Na dinâmica da construção dessa comunidade de investigação, estaremos inseridos em uma comunidade verdadeiramente educativa, mergulhada na construção de habilidades e competências de complexidade crescente, na qual educadores aprendem juntos e constroem as melhores metodologias, estratégias e recursos, para a construção de uma nova forma de pensar e de fazer, de ser e de relacionar-se.
Aos mestres, com carinho.
*Celito Meier é filósofo e educador