É pouco conhecida do público em geral a disciplina legal a que se encontra submetida a magistratura brasileira, e, em especial, a magistratura estadual. As opções de literatura analítica da estruturação do Poder Judiciário brasileiro, assim como dos direitos, garantias e prerrogativas da magistratura, são dirigidas ao público profissional e ficam, praticamente, inacessíveis a leigos. Há um vácuo de conhecimento que deve ser preenchido em termos facilitadores à compreensão do cidadão comum, algo como uma síntese do conjunto de leis, dispositivos constitucionais e outros documentos pertinentes.
É necessário tornar o magistrado melhor conhecido da população, afastando preconceitos e ideias que conformam autênticos lugares-comuns, sedimentados por uma compreensão que tende a assimilar, como próprias, instituições estrangeiras prodigamente divulgadas pelos meios de comunicação, que pouco se assemelham ao que ocorre em nosso território. O pouco conhecimento que a cidadania tem do Poder Judiciário e dos magistrados desfavorece a adequada compreensão de múltiplos temas repercutidos nas mais diversas mídias.
A magistratura, embora reconhecidamente una, subdivide-se conforme o ramo de especialização judiciária, havendo uma gama de dispositivos comuns e outros específicos de cada especialização. Entretanto, há peculiaridades que não permitem confundir a disciplina do ramo estadual comum com quaisquer dos ramos federais e mesmo com a especialização militar estadual.
Por ser o ramo que mais se aproxima do cidadão comum, vez que competente para a generalidade dos casos (inclusive matérias reservadas constitucionalmente para as Justiças Trabalhista e Federal, onde não houver vara especializada instalada), a magistratura estadual merece conhecimento detido da população. Em tese, cada Estado organiza seu Poder Judiciário, obedecidas as linhas mestras da Constituição Federal, tais como a previsão de um Tribunal de Justiça, composto por desembargadores, e juízes de direito em todas as comarcas, iniciando-se a carreira pelo cargo de juiz de direito substituto.
Os julgamentos, tanto nos tribunais como nas comarcas, são públicos, salvo casos expressamente previstos em lei, e motivadas são as decisões, sob pena de invalidade. Para cada causa, há um magistrado reconhecido constitucionalmente como competente (aquele a quem deve ser levado o conhecimento da causa, para que decida), não se aceitando que sejam montados tribunais e juízos de exceção (não previstos expressamente na Constituição Federal), garantindo a todos um julgamento imparcial, por autoridades previamente estabelecidas, sem surpresas ou montagens a propósito de determinada causa, processo ou pessoa envolvida.
Como qualquer pessoa, no ambiente público como no das relações privadas, estão os magistrados sujeitos a desvios de conduta. Nessa hipótese, também há previsão constitucional dos órgãos próprios para apuração e julgamento. No caso do Judiciário estadual, as Corregedorias de Justiça são os órgãos encarregados de coletar provas, podendo o Tribunal de Justiça, em decisão justificada, delegar ao Ministério Público, ou à Polícia, a investigação. Coletadas provas, e sendo suficientes, instaura-se processo administrativo no Tribunal de Justiça, que julgará o possível desvio de conduta. Se caracterizada, hipoteticamente, a ocorrência de crime, o julgamento caberá ao Tribunal de Justiça, se o acusado for juiz de direito, ou ao Superior Tribunal de Justiça, se o acusado for desembargador.
Atualmente, discute-se no Supremo Tribunal Federal, em Ação Direta de Inconstitucionalidade, se o Conselho Nacional de Justiça pode apurar e julgar possíveis desvios de conduta imputados a magistrados, sem prévia oportunidade de que o façam as Corregedorias e os Tribunais de Justiça. Há decisão liminar, emanada por ministro do STF, em mandado de segurança, determinando que o CNJ não pode apurar e julgar tais casos, sem que antes tenham os órgãos estaduais a oportunidade de o fazer. Trata-se de questão de enormes repercussões práticas, não somente para a magistratura como para a cidadania.
O STF dirá, ao apreciar a Ação Direta de Inconstitucionalidade, na qualidade de guardião da Constituição e, por extensão, como avalista da democracia brasileira, a verdadeira extensão dos poderes disciplinares do CNJ.
*Bruno Terra Dias é presidente da Associação dos Magistrados Mineiro