“O que é a moral? É o conjunto do que um indivíduo se impõe ou proíbe a si mesmo, não para, antes de mais nada, aumentar sua felicidade ou seu bem-estar próprias, o que não passaria de egoísmo, mas para levar em conta os interesses ou os direitos do outro, mas para não ser um canalha, mas para permanecer fiel a certa ideia de humanidade e de si. A moral responde à pergunta: “O que devo fazer?”
O tempo da educação é o tempo do cultivo do semeado que, para vir à luz, necessita, antes, de muito cuidado, de prolongada proteção dos holofotes. Assim, pensar em educação é referir-se, essencialmente, à construção dos fundamentos sobre os quais se construirá o edifício da humanidade, ou da humanização do animal homem.
Essa construção só se torna possível na mediação do educador, representante do mundo adulto, representante responsável da humanidade. Por isso, a autoridade do educador não vem da qualificação do professor, como especialista em sua área do saber, por mais importante que essa deva ser, mas de seu compromisso com a preservação da humanidade, construída por nossos antepassados.
Esse tempo do cultivo do semeado, que deve caracterizar os primeiros 18 anos de existência do ser humano, tem por essência proporcionar à criança, ao adolescente e ao jovem o acesso ao patrimônio comum da humanidade, conhecer e fortalecer os princípios que são suporte e sustentação da humanidade.
Se esses fundamentos tiverem sido construídos, na educação básica, com efetivo e afetivo rigor, não haverá, na vida adulta e pública desses, que hoje se encontram crianças e adolescentes, conivência com corrupções e passividade diante dos horrores da privatização do bem público. Da mesma forma, esses fundamentos, construídos e fortalecidos na primeira estação da vida, não aceitarão a indiferença perante a hegemonia de um modelo de desenvolvimento e de sociedade que se revela absolutamente predatório, insustentável, energívoro, que só consegue energia mediante a destruição da fonte energética.
O nosso grande problema é a exposição das crianças e adolescentes às mazelas e injustiças sociais que, compondo o quadro de nosso cotidiano, são internalizadas com o sentimento de normalidade, gerando um senso comum absolutamente voltado para o individualismo e a manipulação dos bens públicos para interesses individuais ou de pequenos grupos. Por isso, com muita propriedade, Hannah Arendt, falando da crise na educação, assim expressa: “Tudo o que vive, e não apenas a vida vegetativa, emerge das trevas, e, por mais forte que seja sua tendência natural a orientar-se para a luz, mesmo assim precisa da segurança da escuridão para poder crescer”. (ARENDT, Hannah. Entre o passado e o futuro. S.P: Perspectiva, 1992. P. 236).
Por isso, em decorrência, não poderá haver revolução política se não houver uma volta aos fundamentos. Mas essa volta não acontece na política, acontece na educação. E a revolução, por sua vez, deverá acontecer na política; mas isso só será possível se, a primeira estação da vida tiver sido marcada pela educação conservadora do verdadeiro patrimônio cultural da humanidade: o respeito e a promoção da inerente dignidade que constitui o ser humano. E essa é a esfera da moral.
Assim, a educação é o lugar e o tempo em que o educando deverá aprender a amar a humanidade, e de fazer-se digno de seus antepassados, que construíram os verdadeiros fundamentos. Hoje, assistimos, no cotidiano da vida adulta, à ausência do amor à coisa pública; essa negligência revela a irresponsabilidade desses que deveriam fazer a verdadeira revolução, na direção da preservação da humanidade.
E onde se encontra a nova geração de políticos? Onde estão os novos homens e mulheres amantes da coisa pública? Não será essa ausência expressão de um gravíssimo problema em nossa educação? O suicídio dessa forma de política, na qual o interesse particular se sobrepõe à preocupação pelo destino comum da humanidade, estaria no investimento na educação formal. Talvez, por isso, não estejamos vendo esse investimento.
Já deve ter ficado claro que o retorno à educação formal de qualidade, voltada para os fundamentos da humanidade, para o reconhecimento do Estado Democrático de Direito, no qual o direito do outro implica meu dever, torna-se o único caminho capaz de assegurar, num futuro, a necessária revolução política.
Quando dizemos, então, que a educação é o terreno da aprendizagem do dever, estamos dizendo que a internalização dos princípios sustentáveis da humanidade se exteriorizará, na política, como dever, como exigência que brota da convicção interna, capaz de resistir a toda forma impulsiva, capaz de recusar e calar tudo aquilo que em nós clama, mas que não é racional.
Essa passagem da irracionalidade impulsiva, das primeiras tendências do animal homem, para o direito e o dever do homem civilizado será construída na educação. Mas, para que isso aconteça, quem terá que ser esse educador? Qual o perfil desse ser adulto que fará a ponte entre o mundo da criança e o mundo adulto? Qual a identidade dessa comunidade educativa capaz de debruçar-se sobre os fundamentos da humanidade, sem ceder à tentação de preparar para esse mundo novo, no qual reinam o imediatismo, e a pragmática tirania dos desejos individuais.
Sendo a educação a volta sobre o ser humano, na preparação para a vida moral que deverá reger a vida politica, ela é o terreno da semeadura, da solidão, da necessária disciplina, que está na base da progressiva emancipação do ser humano da sua esfera animal para a especificidade espiritual que o constitui. Nessa dinâmica, cada novo ser educado aprenderá a buscar o universal, por uma exigência interna, realizando o categórico imperativo kantiano que assim expressa; “Aja unicamente de acordo com uma máxima tal qual você possa querer que ela se torne uma lei universal”. Esse imperativo, que se encontra nos Fundamentos da metafísica dos costumes, somente será realidade se cada indivíduo recebeu, em sua educação básica, um banho de humanidade.
A todos os colegas, professores e educadores, conscientes e amantes da solidão e da disciplina que o ato educativo implica, na educação para o dever moral.
*Celito Meier é teólogo, filósofo e educador