Em 1989, na Queda do Muro de Berlim e fim do socialismo real, o cientista político americano Francis Fukuyama escreveu em artigo a frase que ficou famosa: “A História acabou”. Segundo ele, o liberalismo econômico seria o ápice da evolução econômica da sociedade contemporânea. Esta viria acompanhada da democracia e da igualdade de oportunidade. Todos seriam livres e capazes de conquistar seus objetivos: “A democracia liberal continuaria como a única aspiração política corrente que constitui o ponto de união entre regiões e cultura diversas do mundo todo”.
Começava então a era do neoliberalismo triunfante. Em nenhum outro período da história, um modelo econômico amealhou uma hegemonia de abrangência mundial, eterna para seus pregadores e ideólogos. A frase de Fukuyama condenava ao inferno ou à impossibilidade histórica todos e todas que ainda acreditavam na possibilidade da mudança, no sonho de uma sociedade de economia e valores não capitalistas.
O neoliberalismo dominou o mundo. O desejo do enriquecimento rápido, do consumo, dos meios de informação e comunicação instantâneos anestesiou corações e mentes. O celular, com suas mil e uma utilidades à mão de qualquer jovem, talvez seja o símbolo mais reluzente da investida do capital e da cybercomunicação. Ninguém está longe, não se precisa mais ir ao banco e ter talão de cheque. A máquina faz tudo já, aqui no Brasil, em Hong Kong ou em Paris. Sabe-se de tudo, vê-se tudo, a viagem, em todos os sentidos é intercontinental, senão planetária. A riqueza está ao alcance de todos os competentes. Afinal, o mercado pode tudo, é universal, é democrático. Para que Estado, que só atrapalha, limita ou tira a liberdade, cria freios, investiga malfeitos, controla o pensamento? A liberdade de consumir está acima de tudo. A possibilidade de ter encanta a magia de viver. Roupas de grife, computadores cada vez mais modernos, carros com todos os acessórios, lojas de luxo, comidas de nome estrangeiro, prazeres mil, ações nas Bolsas de Valores, tudo está ao alcance da mão, da vista, do paladar, do toque, do uso, da imaginação. A espiral do mercado financeiro começou a dar voltas pelos países de todos os continentes. A história é essa mesma, não há outra. O futuro é único. A escolha está feita. O caminho é reto e sem curvas. A humanidade enfim encontrou a perfeita felicidade.
Não foi bem assim nem durou tanto tempo. Os futurólogos enganaram a torcida. Não viram ou não quiseram ver que o desemprego aumentou brutalmente, especialmente nos países da periferia, que a fome foi a sorte de africanos, que as guerras tornaram-se armas das superpotências, que a mercadoria-dinheiro só chegava aos bolsos de alguns poucos endinheirados e de 500 transnacionais que mandam no mundo. Os estados e os governos são periféricos. “Os 1% que dominam as economias recebiam 40% dos lucros e dividendos há dez anos, 60% há cinco e 70% agora” (A Esquerda européia e a Crise da Dívida, Francisco Louçã, www.esquerda.net). Ou, nas palavras de Lawrence Summers, ex-Secretário dos Tesouro dos EUA, “a desigualdade não pode mais ser mantida à distância com as idéias de costume. A mais importante mudança que houve é o forte crescimento nos ganhos de mercado para uma pequena minoria de cidadãos, em relação ao que pode ganhar a maioria dos cidadãos”.
A farra, colorida e gostosa para meia dúzia, terminou. A festa acabou com a madrugada. O lendário Lehman Brothers faliu. A General Motors foi estatizada. As mensagens nervosas pelos celulares deixam em pânico os investidores. A banca resolveu cobrar a conta. Colocou seus representantes diretos, sem direito a voto popular, no comando da Grécia e da Itália. Outros países quebraram ou estão à beira da falência. Só a pobre América do Sul, historicamente dependente da soberania dos outros, resolveu colocar a cabeça para fora e dizer que nem a História nem o Sonho acabaram.
Aí vem o segundo homem mais rico do mundo, o investidor Warren Buffet, e faz uma declaração bombástica, no nível da de Fukuyama: “Há uma luta de classes, e é a nossa classe que está ganhando”.
Onde? Como? Quando? Como diz Francisco Louçã, referindo-se à recente greve geral de Portugal: “Chama-se resistência e responde pelo país – é a luta pela hegemonia e cria acção (em português de Portugal, grifo meu) social. É nessa acção que se aprende e que se erguem alternativas. Como dizia alguém, é sempre da prática que vêm as idéias justas. Vamos à luta”. Ou nas palavras de Immanuel Wallerstein: “Diante da surdez do sistema, outra onda está se desenhando. Temos que pensar na luta mundial como uma longa corrida, na qual os corredores precisam usar toda a sua energia com sabedoria, a fim de não se esgotarem, ao mesmo tempo em que mantêm o foco no objetivo: um tipo diferente de sistema-mundo, muito mais democrático, muito mais igualitário que qualquer coisa que temos agora”.
As mobilizações populares nos países ricos, como os Indignados espanhóis, as greves na Grécia e Espanha, o ‘Occupy Wall Street’, entre outros exemplos, são a voz das ruas a dizer que a história não acabou nem ‘eles’ ganharam a luta de classes. O tempo, a consciência e a utopia o dirão.
*Selvino Heck é assessor especial da Secretaria Geral da Presidência da República