O gasto público com saúde no Brasil representa 3,6% do Produto Interno Bruto (PIB). A média internacional, de acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), é de 5,5%. O país está, portanto, investindo em saúde um terço a menos do que a média mundial. No total, considerando os investimentos públicos e privados, 8,4% do PIB vão para a saúde. Entretanto, 55% desse montante representa gastos privados e beneficia R$ 46 milhões de conveniados, enquanto os 45% restantes são públicos e favorecem todos os 190 milhões de brasileiros. Os dados mostram que há um desequilíbrio nessa balança: o SUS, que é universal, para todos, tem menos recursos do que os planos e seguros privados, que favorecem cerca de 24% da população brasileira. Esse diagnóstico está presente no relatório da subcomissão especial da Câmara dos Deputados destinada a tratar do financiamento, reestruturação da organização e funcionamento do SUS. O relatório, de autoria do deputado federal Rogério Carvalho (PT-SE), foi aprovado recentemente pela Comissão de Seguridade Social e Família da Câmara e apresenta propostas para o problema do subfinanciamento do SUS e melhor funcionamento do Sistema.
“O mérito da tese e da proposta da Subcomissão é ter o SUS constitucional como ponto de partida e como ponto de chegada. Não se trata de plano ideal, significando utopia, mera fraseologia ou apego ao legalismo. SUS constitucional como ponto de partida significa que é por meio do texto constitucional que se constrói o sistema de saúde do Brasil. O direito à saúde é reconhecido, incorporado e exigido estatalmente, porque ali estão contidas quais são as bases que sustentam as ações e serviços de saúde. É a Constituição que diz que as ações e serviços de saúde são de acesso universal e igualitário, de relevância pública, visam reduzir riscos de doenças e outros agravos, integram uma rede regionalizada e hierarquizada, constituem um sistema único”, pontua o relatório. O texto continua explicando por que o SUS constitucional é o ponto de chegada do relatório: “porque requer a realização do direito à saúde, ou seja, a sua integração ao vivenciar e agir dos cidadãos e agentes públicos na forma de direitos e deveres recíprocos, e ser introduzida como política de Estado mediante atuação do Governo. Ora, havendo bloqueios do processo de concretização do SUS por fatores políticos, econômicos e culturais, a reprodução do SUS constitucional não se realiza”, alerta o documento.
O relatório traz diversos dados que comprovam o quanto o país está longe da realização do SUS constitucional. “Dados apresentados pelo Ministério da Saúde [em 2007] indicaram defasagens na tabela de remuneração do SUS e estimaram que havia 13 milhões de hipertensos que não estavam sendo tratados e acompanhados adequadamente e 4,5 milhões de diabéticos na mesma situação. Também foi destacado que: 25% da população portadora de doenças negligenciadas, como tuberculose, malária, hanseníase, entre outras, não teriam acesso regular ao sistema de saúde; 47% das gestantes não cumpririam o mínimo de sete consultas de pré-natal e 90 mil brasileiros com diagnóstico de câncer estabelecido fariam cirurgia e quimioterapia, mas não teriam acesso à radioterapia pela insuficiência de capacidade instalada. Além disso, é preciso considerar que o acesso da população brasileira aos serviços do SUS não se dá de modo uniforme, pois há desigualdades regionais”, detalha o documento.
Os dados apontam ainda o Brasil na 143ª posição mundial em termos de gastos públicos com a saúde, situando-se no grupo de 25% de países em que o setor público gasta menos do que o privado. Para o presidente do Instituto de Direito Sanitário Aplicado (Idisa) e consultor do Conselho Nacional de Secretários Municipais de Saúde (Conasems) Nelson Rodrigues dos Santos, o relatório traça um diagnóstico importante dos obstáculos para o desenvolvimento do SUS. Para ele, são quatro os principais problemas. “O primeiro deles é o subfinanciamento, mas há outros três enormes, quase tão importantes quanto esse. Eles convivem porque um alimenta o outro. O segundo é o subsídio federal de recursos públicos federais para o mercado dos planos privados; o terceiro, que está muito atrelado ao subfinanciamento, é o impedimento de a Emenda Constitucional 29 financiar melhor o SUS; e o quarto e último obstáculo é o impedimento de haver uma reforma democrática e administrativa do Estado para ele poder gastar melhor o dinheiro”, detalha.
Para combater o problema do subfinanciamento, o relatório fala na necessidade de garantir o aumento do financiamento por parte do governo federal. De acordo com dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), também presentes no relatório, em 1980, o montante do governo federal destinado à saúde representava 75% do total do gasto público com o setor, em 2010 essa porcentagem caiu para 44%. “Com isso, os estados e municípios, que aplicavam apenas 25% do total, tiveram que subir esse recurso e em 2010 passaram a arcar com 56%. Há um outro dado fundamental no relatório que é o do investimento per capita público em saúde, medido pela OMS. O Brasil tem um per capita público de 385 dólares por brasileiro ano, e a média dos países que têm bons sistemas públicos é de 2530 dólares por ano. Todos esses dados mostram que o governo insiste em retrair e subfinanciar o SUS durante os 21 anos de existência do Sistema”, comenta Nelson. O relatório confirma a percepção do professor: “Os debates em nossas reuniões de trabalho sedimentaram a posição de que, salvo algumas exceções, o grande incremento nos gastos com a área da saúde vieram da vinculação orçamentária de Estados e Municípios. A União, nesse tocante, ficou a desejar”.
O professor avalia que desde o surgimento do SUS o governo federal tenta impedir a regulamentação do próprio percentual que deve aplicar na saúde e que atualmente a conjuntura não é diferente. É justamente essa discussão que está em curso hoje no Senado, com a regulamentação da Emenda Constitucional 29. “A área econômica do Estado continua a mesma, sempre pressionando para só colocar os 10% da receita corrente bruta da União se houver a criação de novos impostos, o que, para nós, é uma posição atrasada, anti-social, de entrega da soberania nacional para a voracidade do sistema financeiro. Em 2010, 44,9% do orçamento da União foi para pagar juros da dívida pública, amortizações e refinanciamento da dívida. Lá em baixo estão os gastos com a saúde, com 3,4% do orçamento, a educação com 2,8%, a segurança pública com 0,5%, os transportes com 0,04%. Essa voracidade do sistema financeiro está estabelecendo uma ditadura na área econômica do Estado brasileiro nesses 20 anos O governo federal não vem tendo força, caiu de joelhos perante essa pressão, prejudicando tanto a área social, como também a área de infraestrutura do desenvolvimento”, destaca.
*Raquel Júnia é da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV), Fiocruz