Bento XVI, na Encíclica programática, Deus é amor, dedica a segunda parte à presença social da Igreja no mundo atual. Oferece-nos elemento importante para a reflexão, ao mostrar que não está em jogo unicamente a obra social, como tal, que muitas vezes pode e deve ser promovida pelo Estado, mas o toque cristão que nos cabe dar.
Ao abrir na Internet o site da CNBB, pasma-nos a longa lista de pastorais sociais desenvolvidas pela Igreja católica no Brasil. Lá estão os setores desfavorecidos da sociedade sob o cuidado carinhoso da Igreja: Povo de rua, mulher marginalizada, nômades, dependentes de drogas, encarcerados, enfermos, crianças abandonadas ou descuidadas, anciãos, negros, aidéticos, migrantes, pescadores, operários, etc. Que fazer mais? Talvez a resposta não se situe na linha do fazer, mas na perspectiva e na melhor articulação com outras entidades.
No Brasil, as carências sociais se elevam a tal grau que todo serviço resulta pequeno. E a Igreja católica mantém ainda, malgrado o processo de secularização e laicização das instituições, enorme poder convocatório. E aí reside uma de suas principais funções.
Políticos e certas instituições, até mesmo religiosas, usam da força e do poder em próprio benefício. Arma de proselitismo eleitoral ou eclesiástico. A Igreja católica não se isenta de tal tentação. Mas bebendo no evangelho, fonte última de inspiração e normatividade, ela tem por onde ser diferente. Pôr no centro as necessidades das pessoas e em função delas e unicamente a seu serviço, pensar a eficiência da ação pastoral,
Caridade não dispensa inteligência nem organização. Não se identifica, porém, com eficácia moderna. Reflete elemento de gratuidade, tradução humana do termo divino da graça. E ela não mede o alcance do agir unicamente pelas regras empresariais e institucionais. Mesmo lá onde o Estado pode e deve atuar, a Igreja dispõe de toque de graça original.
Ela, desde os albores da comunidade de Jerusalém até as ruas de Calcutá, se fez e se faz presente com a ternura de Jesus. O olhar, o toque da mão, o abraço, a palavra não servem exclusivamente ao resultado da ação. Manifestam o lado humano do divino. L. Boff, nas pegadas de Fernando Pessoa, resumiu bem tal experiência da pessoa de Jesus. Ao descrevê-lo na sua extrema bondade, disse: “Humano assim, só pode ser Deus mesmo”.
Em mundo tão frio, de anonimato diluído, de violência insana, o olhar se espanta quando depara com cenas de humanidade. Paulo VI e, depois dele, João Paulo II, ao aceitarem falar ao concerto das nações na ONU, invocaram unicamente o título de “especialista em humanidade”. E não adquiriram tal graduação em alguma universidade famosa do Primeiro Mundo, mas na Escola pobre de Nazaré e no percorrer das regiões de miséria em viagens missionárias.
Infelizmente não se aprende humanidade na academia orgulhosa e sofisticada, que cria serpentes a se devorarem, mas na universidade do povo da rua, do pobre, do marginalizado, dos carentes. E, apesar de todos os pecados passados, as Igrejas cristãs nunca abandonaram totalmente a escola da caridade. Se adversários escrevem a história escura do Cristianismo - reconheçamos que o fazem com fatos reais -, não menos possível é desenhar trajetória luminosa de bondade e amor à humanidade. Duas faces de uma realidade.
Debruçar-se sobre a pastoral social para reformulá-la, aperfeiçoá-la e revitalizá-la significa realizar algo do sonho de João XXIII, ao convocar o Concílio Vaticano II: apresentar ao mundo de hoje face tão direta, bonita e luminosa da Igreja que as pessoas se sentirão atraídas por ela.
*João Batista Libânio é teólogo jesuíta