Inicia-se novo ano e, em principio, renovam-se as esperanças. Mas, ao olharmos para a situação na qual se encontra a nossa educação, especialmente o Ensino Básico, qual alimento será capaz de reacender e manter acesa a chama dessa esperança? Quem está inserido no processo de ensino e aprendizagem, em sala de aula, há décadas, encontra-se perplexo, pasmado ante as últimas medidas e acontecimentos relacionados ao Ensino Básico.
A instrumentalização politica da educação, que a torna refém de projetos ideológicos estranhos à essência mesma da educação tem provocado profundo mal-estar na alma dos educadores comprometidos com a excelência do ato educativo. Na essência da educação está o lapidar da alma humana, de suas potencialidades, o que requer disciplina, mergulho nas profundidades da alma e da civilização, no silêncio, no anonimato ou na ausência de exposição pública.
Por mais que todos nós, educadores, estejamos comprometidos e lutemos pela democratização do ensino e pela universalização do acesso à educação de qualidade, há uma realidade que se impõe a nós, desde fora, no ato de educar: a diferença que existe na alma humana, no que se refere à motivação para o estudo, no empenho pessoal, e no rendimento escolar. Em outros termos, o conceito democrático de igualdade caminha com a pluralidade de ritmos e a diversidade de níveis de aprendizagem.
E, aqui, se localiza uma das maiores inquietações dos educadores que assumem a responsabilidade de educar para a preservação do patrimônio cultural da humanidade e lutar pela defesa dos principio e dos valores construídos pelos nossos antepassados, que mantém a possibilidade de sobrevida da humanidade. Referimo-nos ao esclarecido mal-estar dos verdadeiros educadores, representantes do mundo adulto, ante o processo de nivelamento medíocre e mediano ao qual nossas crianças e adolescentes estão sendo submetidos no ensino básico.
Essa frouxidão jamais será amor à educação. Travestido sob o nome de habilidades e competências ___ por mais evidentes que elas serão como decorrências de aprendizagem profunda ___ instaura-se um reino de maquiagens na educação. E é na superficialidade ou na banalização dos pré-requisitos teóricos que o mundo verdadeiramente adulto e civilizado requer, que consiste o mal-estar que aflige o espirito do educador. E essa banalização é politicamente provocada. Será intencional? Gostaria de não crer nisso.
O que esperar para os próximos 30 anos? Nenhuma educação gera o necessário espírito politico revolucionário se ela não for, em todo o seu ciclo básico, essencialmente conservadora. É da natureza da educação levar as crianças às raízes da humanidade, lutando contra os impulsos de nossa primeira natureza, passional, lúdica, dispersiva. Em nome de modernos princípios pragmáticos, originados na política, a educação vem sendo transformada em refém, refém de um sistema. E quem se esconde atrás desse sistema impessoal? Quem o criou? Quem o está alimentando diariamente? E essa alienação da educação é a maior ameaça à esperança, nesse início de ano.
Na manipulação politica da educação, a figura que aparece diante de nós, maquiada, é capaz de provocar tanto admiração quanto estranhamento. Mas, o educador que tem ciência da alma humana sabe de suas potencialidades, de suas artimanhas. Potencialidades que requerem, para o seu desenvolvimento, disciplina do aprendiz de humanidade e mediação de adulto amante e comprometido com a evolução do espírito humano. E artimanhas de uma alma preguiçosa, que deseja a sexta-feira ou não gostaria que o domingo terminasse.
Vamos recordar a alegoria do Cocheiro, de Platão. Há uma carruagem conduzida por um cocheiro e puxada por dois cavalos, um bom, dócil e obediente; o outro, cego, furioso e indisciplinado. A parte racional da alma é o condutor; a parte volitiva é o cavalo obediente. Nessa alegoria, percebemos que a alma se divide em três partes: racional, volitiva (emocional) e apetitiva, localizadas, respectivamente, na cabeça, no peito e no abdômen (e adjacências). Na parte racional, da inteligência, da ética e da lógica, encontra-se o referencial distintivo da humanidade, seu o guia. No peito, parte volitiva e emocional, obediente à parte racional, localizam-se os grandes, nobres e superiores sentimentos, vontades e emoções do ser humano: honra, coragem, amor ao direito e à justiça e ódio à injustiça. E a parte inferior, correspondendo aos desejos inferiores, carnais e desordenados, seria a dimensão instintiva e rebelde de nossa primeira natureza, que resiste à lapidação.
E a pergunta se coloca: O que acontecerá à carruagem, se o cocheiro cochilar? O cavalo instintivo e cego, da esquerda, comandará, contando com a obediência do cavalo da direita. Pois é justamente isso que acontece com a educação se o educador cochilar. E quando, aqui, dizemos educador, estamos nos referindo à consciência.
Há um perigo e um grande inimigo nos rodeando, que está mostrando sua força dominadora, através de seus “estímulos” anestesiantes e analgésicos da consciência, impossibilitando, a alunos, professores e corpos diretivos, o antever a queda da carruagem, a queda da educação, a queda da humanidade.
Dirijo-me a todos os educadores que ainda acreditam, inseridos na esperança militante, contra o principio da igualdade niveladora, de que a humanidade necessita, para o seu governo, que desiguais não sejam tratados de forma igual. Falo aos educadores sensíveis às visíveis diferenças existentes na alma humana, que oferecem às potencialidades a possibilidade de desabrochar e lhes fornecem o alimento para o crescimento de sua singularidade.
*Celito Meier é teólogo, filósofo e educador