Nesses artigos semanais trato de assuntos políticos, econômicos e sociais, e poderá surpreender alguns que eu analise aqui esta questão comportamental, a obesidade. Ela, porém, tornou-se uma epidemia mundial, um problema de saúde pública e de difícil solução. Causadora de várias doenças, necessita de política públicas, de mudança de hábitos.
O consumo de alimentos com grande nível de calorias – gordura e açúcar – e a falta de exercícios físicos estão associados à obesidade, que não é uma preocupação tão “moderna” como se pensa.
Historicamente, lembremos que todas religiões praticam a abstinência de alimentos. Os muçulmanos o ramadã, os católicos e judeus o jejum, praticas que preconizam a “limpeza espiritual e orgânica”.
A obesidade também desperta interesse desde o final da Idade Média, sendo objeto de “reprovações morais” e de “estudos científicos” desde então, de acordo com o mais recente trabalho do historiador francês Georges Vigarello, As Metamorfoses do Gordo.
O historiador assinala que, no século 18, “surgem graus de gordura e a ideia de que os mais gordos não representam apenas um excesso quantitativo e sim uma desordem”. A palavra obesidade foi incorporada aos “dicionários franceses daquele século, já relacionada à medicina”. Mas é durante o século seguinte, diz Vigarello, que “diversos problemas respiratórios, digestivos e circulatórios foram associados ao obeso”.
De lá para cá, os riscos da obesidade se acentuaram atingindo indistintamente homens e mulheres, crianças e idosos de todas as faixas de renda. Se transformou, com as mudanças de hábitos de consumo, em problema da mesma relevância que a desnutrição, que penaliza parte da população do planeta, infelizmente.
Dados recentes da pesquisa de Vigilância de Fatores de Risco para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico (Vigitel), do Ministério da Saúde, do primeiro semestre deste ano, indicam que o percentual de obesos (Índice de Massa Corporal Superior a 30%) no país, entre 2006 e 2011, subiu de 11,4% para 15,8%, e o de pessoas com excesso de peso (Índice de Massa Corporal Superior a 25%) passou de 42,7% para 48,5% no mesmo período.
Em 2006, a obesidade e o excesso de peso afetavam 47,2% dos homens e 38,5% das mulheres. No ano passado, essas proporções passaram para 52,6% e 44,7%, respectivamente. Entre os homens, o excesso de peso começa cedo: atinge 29,4% dos que têm entre 18 e 24 anos.
A Pesquisa de Orçamento da Família (POF), do IBGE, de 2008 a 2009, mostra que 33,5% das crianças de cinco a nove anos estavam acima do peso, e que dos jovens de 10 a 19 anos, 21,7% dos meninos e 19,4% enfrentavam problemas de sobrepeso.
A situação da obesidade infantil é tão grave que, nos Estados Unidos, os pais de crianças nesta condição já estão sendo consideradas negligentes pela legislação. No Brasil, chamou atenção o caso do pai separado, do Paraná, que denunciou a ex-mulher porque a filha, que mora com a mãe, tem seis anos e pesa mais de 50 kg.
Os números da obesidade no país dão ao fenômeno contornos de uma verdadeira epidemia. Se o Brasil mantiver o ritmo de crescimento de pessoas acima do peso, em 10 anos estará se igualando aos Estados Unidos, onde os obesos são 27,6% da população.
O controle do sobrepeso, situação intermediária da obesidade, não pode ser encarado como responsabilidade apenas do poder público. Deve ser compartilhada com os pais. Destaco que a publicidade de alimentos para crianças tem importante parcela de influência na escolha equivocada.
Um estudo da Universidade de Liverpool, de 2010, que pesquisou 12.618 peças publicitárias, inclusive do Brasil, constatou que 67% dos produtos anunciados continham índices muitos altos de sal, açúcar e gordura. Se a criança estiver sugestionada pela propaganda, tem grande chance de ser obesa.
Acredito, porém, que não será apenas o controle da propaganda que irá reduzir a obesidade. Os pais precisam incentivar os filhos começando a respeitar os horários das refeições, seguindo uma alimentação balanceada, e na realização de atividades físicas regulares, enquanto engatinha o Plano de Ações Estratégicas para o Enfrentamento das Doenças Crônicas Não Transmissíveis, do Ministério da Saúde, o único programa federal de combate à obesidade e ao sobrepeso.
Há hoje um verdadeiro “frenesi”. Fala-se em decodificação genética, em manipulação de hormônios, em pílulas miraculosas. Sem menosprezar a ciência os avanços do conhecimento, nada será mais eficaz do que o controle e a mudança dos hábitos de consumo.
Pelos efeitos que causa na redução da expectativa de vida, nos custos dos serviços de saúde, pelos riscos de doenças como diabetes, hipertensão e problemas cardiovasculares, é necessário investir em programas públicos de reeducação alimentar e de controle de peso, assim como em campanhas de informação e de esclarecimentos as família, porque a obesidade é um desafio mundial.
*Arnaldo Jardim é deputado federal pelo PPS-SP