Os números respeito ao progresso humano sofrem de ambiguidade difícil de superar. A maneira normal de medir o desenvolvimento se faz pelo crescimento do PIB e pela inclusão das classes de baixa renda no mundo do consumo. Diz-se de boca cheia: quem ontem não podia comprar uma geladeira ou um automóvel, hoje o faz. Um lado da moeda da verdade. Que as pessoas tenham acesso a produtos da sociedade moderna indica a inserção nela. E aí se proclama uma das glórias do Governo Lula.
O reverso da medalha faz-nos pensar noutros aspectos. A saída da pobreza pela via do simples usufruto de coisas materiais tem percalços. A situação de pobre não se identifica com carência material. Há qualidades de simplicidade, de operosidade, de garra de existir, de convivialidade que o acompanham e que com a entrada na ciranda consumista sem perspectiva humana arriscam desaparecer.
Assiste-se a um vai e vem na aquisição de coisas materiais. Qualquer crise ameaça-lhe a medida. Anunciam-se no horizonte nuvens escuras a frear a incipiente euforia das classes C e D na contenção do crédito fácil, no desgaste do salário pela inflação, nas adversidades da conjuntura econômica internacional. Se a alegria do povo se restringir simplesmente à melhoria no poder de compra, rapidamente se esvairá.
Se o processo de desenvolvimento atinge a cultura, a percepção de valores humanos, a capacidade de valer-se por si mesmo e o acesso à educação de melhor qualidade, as flutuações e os caprichos do mercado não afetam tanto. As pessoas aprendem a prever as contingências adversas e a preparar-se para superá-las rapidamente. A garantia de que se ascendeu realmente no mundo humano se mede pela cultura e não pela capacidade de compra.
E cultura significa nas adversidades econômicas administrar os recursos tornados escassos, apostar em ações de longo alcance, arquitetar novas saídas. O consumismo sofre de miopia. Ele entende de quantidade de aquisições, mesmo que supérfluas. Não capta as reais demandas humanas. Descamba facilmente para o desperdício.
O crescimento humano, por sua vez, adestra a pessoa para enfrentar situações novas, desfavoráveis. Existem momentos de felicidade, de sentir-se bem, de prazer que não se confundem com a posse material. A diminuição no consumo não os afeta, desde que as pessoas se educaram a vivê-los. E os principais acontecem no mundo das relações.
Há festas de muito luxo e gasto que distam anos-luz de outras feitas na simplicidade da alegria popular. Com menos dispêndio de dinheiro e compras, vive-se a alegria do afeto, da convivência, da gratuidade. À medida que a sociedade consumista destrói os valores, ela pode arrancar o pobre da situação de carência material, mas o faz privado de valores que até então possuía. Retira-o de uma pobreza para inseri-lo em outra pior. Seca-lhe no coração a raiz da simplicidade e bondade para fazê-lo cercado de objetos. Essa substituição gera mais infelicidade que a simples pobreza material.
*João Batista Libânio é teólogo jesuíta