Sou mãe de filhos que me surpreendem todos os dias. Cada um deles carrega em si uma história de superação e afeto. Mas, o que me emociona de forma especial é ver, nas palavras deles, a colheita do amor que semeamos ao longo da vida. Minha filha Letícia tem o dom de dar forma às palavras do coração usando de uma sensibilidade profunda. Recentemente, ela me fez uma homenagem tão linda, tão cheia de memórias e significado, no grupo de WhatsApp da família, que tocou profundamente meu coração. Por isso, resolvi compartilhar esse texto porque acredito que ele não é só sobre a nossa família, ele é sobre o valor da presença, da simplicidade, da luta por amor e dignidade. E talvez, ao ler, você também se lembre da sua história. “Ao olhar para trás e revisitar os caminhos que percorri, uma certeza se impõe no coração: nós fomos felizes. E essa felicidade não veio de grandes riquezas ou cenários perfeitos, mas do calor de uma casa que transbordava amor, histórias, criatividade e pertencimento. Nossa casa foi, sem exagero, um verdadeiro centro cultural e comunitário. Um espaço onde se ensinava sem quadro negro, onde se aprendia pela vivência e pelo afeto. Um lar onde cada canto contava uma história e cada gesto tinha significado. Lembro das narrativas incríveis da nossa mãe, que nos levavam a viagens de ônibus espacial no plano espiritual e nos ensinavam, de forma lúdica e profunda, que ajudar o outro era uma forma de ganhar uma riqueza que não se via, mas que se sentia na alma. A cozinha, coração de qualquer casa, era cenário de vida pulsante: o cheiro do pão, do espera marido, das fatias húngaras que saiam quentinhas, o barulho da máquina de costura inventando as roupas singelas para eu sair para as baladinhas com os amigos e eventos do Lions, os almoços de domingo com conversas longas e olhares sinceros. Era ali no Evangelho no Lar que orávamos, nos ensinando a sermos pessoas melhores. Eu e a Laris íamos para o quarto com crise de risos por conta das orações intermináveis dela. A mesa oval da cozinha foi, muitas vezes, nosso altar. E as apresentações que fazíamos na casa espírita no Dia das Mães e dos pais? Lembro também da minha mãe na cabeceira da cama todas as noites orando. Assistíamos os trapalhões de domingo juntos na sala. E quantos cursos ela nos colocou para fazer sem a gente querer? Teclado, violão, pintura em gesso, tecido, até gatinho de lã no CSU. E as pamonhas no sitio da tia Cleuza e da tia Odete? As visitas na casa da tia Maria e da tia Irene aos domingos (e tinha que dar beijo nelas). As conversas na calçada em frente de casa. Nosso pai, por sua vez, nos deu o mundo. Ensinou-nos a desbravá-lo, mesmo sem GPS, com mapas abertos sobre o colo e coragem no peito cruzava São Paulo. Nos levava a museus, acampamentos com a galera toda em Cardoso, Mira estrela, levava fogão, colchão, e casa inteira. Ele levava todo mundo para conhecer o mar com a camionete com colchão e a galera na carroceria. Levava até na Aparecida do Norte! E até a voar de avião e podíamos sentir o brilho em seus olhos por poder nos mostrar o mundo lá de cima. Ele nos mostrou que era possível sair do lugar em que nascemos e alçar voos maiores mesmo com poucos recursos. Quanto mais compreendo o quanto nossos pais superaram a si mesmos saindo da faixa da miséria, da ignorância e transpondo a condição social que a vida ao nascimento tinha lhes dado, mais honro eles O quanto construíram uma vida inspiradora e transformadora, formando os filhos no caminho da ética, do conhecimento, do compromisso com o bem, construíram uma família linda, mais honro eles. Nossa casa era sempre cheia de gente, vizinhos, amigos, crianças do abrigo, familiares distantes, todos eram acolhidos. Em cada festa junina com sanfoneiro, em cada Natal repleto de partilha, em cada aniversário com bexigas e bolo feito em casa, éramos lembrados de que o mais importante era estar junto. Nosso avô, então, com sua sabedoria simples, também fazia parte dessa tapeçaria viva de afetos. Essa história deixou marcas em cada um de nós. Hoje, ao olhar para meus irmãos, vejo os frutos: profissionais comprometidos, pais e mães dedicados, seres humanos éticos e corajosos. Vejo minha irmã Larissa com sua família linda fundada em amor e luta pelos princípios do lar e de Deus; o Léo que superou suas dores íntimas, seus medos, e se curou, se lançou na vida, é empresário, tem sua casa, destemido, não desiste e se coloca uma coisa na cabeça vai lá e faz com força admirável. Olha a Milena (prima) desbravando o mundo e tendo coragem de ser quem ela é, o Marcelo (primo), pai de família estudioso! E o Pablo (primo) pai de família que luta para mantê-la com amor! Tudo isso é resultado das experiências na nossa casa. E eu aqui que superei várias depressões profundas, um filho com TEA, um relacionamento tóxico e hoje aprendi a ser mãe e amar meus filhos, não desisti da vida, venho cada dia mais orgulhosa da família que construí com eles. Vim morar em uma cidade sozinha com os dois que nem imaginava onde nós estávamos, deixei tudo pra trás casa, e hoje construímos uma nova história aqui. Os meninos estão felizes, a Laura fazendo faculdade, o Elvis estudando e querendo fazer TI (e fazendo almoço!). E eu cuidando de 7 escolas e 5 mil alunos. Como cheguei até aqui? Como dei conta? Porque tive mãe e pai extraordinários. Eles nos ensinaram a não desistir e a superar a ignorância imposta. A romper a bolha da sociedade. A lutar com coragem e transformar com amor. Minha mãe, hoje na beira dos 64 anos continua ativa, criativa, sensível, ressignificou o ninho vazio sozinha, hoje escreve, organiza eventos, é ativista da inclusão na escola pública e dos direitos das pessoas! Que administra a casa, trabalha e ainda faz a festa de final do ano do hemocentro! Meu pai, prestes a completar 70 anos, carrega em si uma história de superação, força e construção. Eles ainda estão aqui. E merecem saber que sua missão valeu a pena. Que sua luta gerou frutos. Que o amor que semearam floresceu. Por isso, acredito que é tempo de voltarmos ao quintal da infância e montarmos mesas cheias de comida e gente querida, de chamarmos o sanfoneiro e celebrarmos. Eles merecem. Merecem a nossa presença, a nossa gratidão, o nosso amor expresso em gestos concretos. Porque o tempo passa, mas o que vivemos juntos se eterniza. E como é bonito poder dizer, com o coração em paz: nossa casa foi um centro cultural porque ali sempre teve amor”.
Nesse momento, termino este texto em lágrimas.