Neste momento em que convivemos com o receio, para não dizer medo, de sair às ruas, transitar com alguns acessórios naturais em nossas vidas tais como relógios, anéis ou celulares, me vieram da memória imagens a que assisti, com meus poucos cinco anos.
Da janela da residência de meus pais, no bairro da Lapa de Baixo, São Paulo, vi dezenas de brasileiros recebendo agressões de militares postados em seus cavalos e com cassetetes longos o suficiente para atingir pessoas sem que fosse necessário descer do animal. Digamos, um animal sobre outro, um que tem a capacidade de avaliar suas ações, mas que não pode ter ideias próprias.
Obedece às ordens, segue com cabrestos que lhe impedem de perceber o entorno ou meditar sobre as consequências de suas escolhas que, de fato, não podem ser expressas.
Segue sua vida por caminhos incertos e com desejos de que suas aspirações e necessidades de sobrevivência venham a se tornar realidade. Mas, alguém que com o poder da condução atua, com fortes e contundentes “argumentos”, de forma a lhe obrigar a seguir realizando suas impensadas ações.
Assim como em uma guerra, aqueles que encaminham ordens de ataque ou determinam os caminhos a seguir não estão, sequer, próximos ao fronte para compartilhar dos sacrifícios na direção da conquista das necessidades básicas.
Enquanto ao animal de montaria não lhe é permitido olhar para os lados e interpretar a realidade que lhe ladeia, o de cima também não conquista perceber a gravidade de suas ações.
Aqui cabe reproduzir a produção de Alceu Valença e Zé Ramalho, Admirável Gado Novo, a última estrofe da canção.
O povo foge da ignorância
Apesar de viver tão perto dela
E sonham com melhores tempos idos
Contemplam esta vida numa cela
Esperam nova possibilidade
De verem esse mundo se acabar
A Arca de Noé, o dirigível
Não voam, nem se pode flutuar
Êh, ô, ô, vida de gado, povo marcado, êh, povo feliz!