Caso na creche “Valter Peresi” ganhou repercussão nacional em 2018 e segue com desfechos judiciais nas esferas cível e criminal
Creche Valter Peresi, em Votuporanga, onde mães denunciaram suposta administração de remédios controlados a crianças em 2018 (Foto: A Cidade)
Franclin Duarte
franclin@acidadevotuporanga.com.br
A Justiça de Votuporanga julgou improcedente a ação civil pública por improbidade administrativa movida contra A.G.B., educadora acusada de dopar crianças na creche municipal Valter Peresi, em 2018. A decisão foi proferida pelo juiz Camilo Resegue Neto, da 3ª Vara Cível, no último dia 4. Com isso, a ex-servidora foi considerada inocente no processo cível, embora siga respondendo na esfera criminal, onde já foi condenada em primeira instância.
Para recordar, o episódio veio à tona em outubro de 2018, quando uma criança de 11 meses apresentou sintomas de sonolência e foi internada em uma semi-UTI da Santa Casa de Votuporanga. Exames apontaram a presença de clonazepam, medicamento de tarja preta conhecido comercialmente como Rivotril, em seu organismo. Posteriormente, outras famílias relataram sinais semelhantes em seus filhos, como desmaios, vômitos e sonolência excessiva.
As denúncias levaram a Prefeitura de Votuporanga a afastar cinco funcionárias da unidade em junho de 2019, como medida preventiva durante a investigação. Em outubro do mesmo ano, A.G.B. foi exonerada do cargo por decisão administrativa, após sindicância instaurada pelo município. O caso ganhou destaque nacional.
A acusação
No processo cível, o Ministério Público sustentou que A.G.B., então professora-monitora, teria ministrado o medicamento sem qualquer autorização, enquadrando a conduta como improbidade administrativa. A promotoria destacou que os episódios de sonolência e mal-estar eram recorrentes e coincidiam com os dias em que a acusada cuidava das crianças. Pediu, portanto, sua condenação com base no artigo 11 da Lei de Improbidade Administrativa, vigente à época.
A defesa
Em sua defesa, a educadora negou a acusação, afirmando que jamais administrou qualquer substância às crianças. Argumentou que o berçário da creche jamais ficava sob responsabilidade de apenas uma funcionária, que no dia dos fatos havia ao menos quatro educadoras em sala com cerca de 20 crianças, e que a criança em questão chegou debilitada, conforme relato do próprio pai.
Também afirmou que os alimentos e líquidos oferecidos às crianças vinham prontos da cozinha e que outros sintomas relatados poderiam estar relacionados a viroses sazonais.
A sentença
Na decisão, o juiz destacou que a ação foi proposta com base no artigo 11, inciso I, da antiga redação da Lei 8.429/92, dispositivo revogado pela Lei 14.230/2021. A nova legislação, segundo o magistrado, tornou taxativa a lista de condutas configuradoras de improbidade, não contemplando a hipótese descrita na denúncia. “Diante disso, a conduta praticada não pode mais ser enquadrada no dispositivo já revogado, considerando o princípio da retroatividade da lei mais benéfica”, escreveu o magistrado.
O juiz também analisou os artigos 9, 10 e 11 da lei em vigor e concluiu que os fatos narrados não se enquadram em nenhuma das hipóteses de enriquecimento ilícito, lesão ao erário ou violação de princípios da administração pública. Por esse motivo, a ação civil pública foi julgada improcedente, e a educadora não sofrerá sanções na esfera cível.
Criminal
Paralelamente, A.G.B. responde na esfera criminal. Em julho de 2024, ela foi condenada pela Justiça de Votuporanga a cinco anos de prisão em regime semiaberto e ao pagamento de multa correspondente a 518 dias-multa, pela prática de crime equiparado ao tráfico de drogas e por expor crianças a risco. A decisão ressaltou que a intenção ao administrar o sedativo seria “reduzir a atividade das crianças para facilitar a supervisão”. A educadora, no entanto, recorre da decisão em liberdade.