Luana Neves Ribeiro, morta em 2011, aos 21 anos, após erros médicos (Foto: Reprodução/Diário da Região)
A Justiça de Rio Preto condenou as médicas Flávia Leite Souza Santos e Érika Rodrigues Pontes Delatte e o Hospital de Base a pagarem uma indenização de cem salários mínimos (cerca de R$ 100 mil), mais uma pensão à família de Luana Neves Ribeiro, morta aos 21 anos, durante um procedimento de doação de medula óssea. Todas as partes podem recorrer. Na esfera criminal, as médicas foram condenadas por homicídio culposo (sem intenção de matar) em 2016.
A decisão como reparo por danos morais foi do juiz da 6ª Vara da comarca Marcelo Eduardo de Souza. A estudante de enfermagem morreu em julho de 2011, durante o procedimento de retirada da medula óssea compatível com uma criança com leucemia no Rio de Janeiro. Depois da inserção do cateter, uma falha médica, segundo os laudos, provocou hemorragia no pulmão da jovem e a levou a morte após seis horas.
"A indenização por danos morais é devida, não se olvidando que a autora (quem pediu a indenização) era mãe da vítima, o que dispensa maiores comentários", escreveu o juiz em trecho da decisão. Cirsa Aparecida Neves de Oliveira pediu uma indenização no valor de R$ 1,9 milhão na época, no entanto, a sentença foi reduzida ao valor equivalente a R$ 104,5 mil. "O valor pretendido, todavia, se mostra por demais elevado, pelo que vai xado no equivalente a 100 salários mínimos", determinou Souza.
O juiz também entendeu como justa a obrigação das médicas e do hospital a pagarem uma indenização referente a um terço do piso salarial de uma enfermeira até a data em que a lha completasse 65 anos, isso porque Luana se formaria em enfermagem no nal de 2011. "A pensão mensal é, igualmente, devida, valendo considerar que a dependência econômica, no caso, é mesmo presumida, posto cuidar-se de mãe e lha, com pai premorto, e que residiam juntas", justicou.
O juiz também obrigou os três a custearam tratamento psicológico para a mãe e absolveu duas enfermeiras que também participaram do procedimento. Segundo o magistrado, por não serem médicas, elas não tinham autonomia para prestar atendimentos a Luana. "Tendo agido, ambas, segundo apurado nos autos da ação penal, nos limites de suas atribuições", decidiu.
O caso
Depois de ser convocada para doação por ser compatível com um paciente da la de espera por uma medula, Luana se internou no Hospital de Base para passar pelo procedimento usado na época, que inseria um cateter no doador para fazer a coleta de células tronco no dia seguinte - hoje em dia o método mais utilizado é por aférese, semelhante a uma doação de sangue.
Por uma falha no processo, segundo informações do processo, a estudante veio a óbito no mesmo dia em razão de choque hipovolêmico (situação de emergência em pacientes com muita perda de sangue), causado "basicamente por diversas perfurações", arma a ação.
O caso foi investigado pelo Hospital de Base por meio de uma sindicância, levado ao Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp) e, posteriormente, denunciado à Justiça pelo Ministério Público. Na esfera criminal, Érica foi condenada em Rio Preto em 2015, e Flávia sentenciada pelo Tribunal de Justiça, em São Paulo, em 2016, a dois anos e oito meses de prisão em regime aberto, penas que foram convertidas em multas.
Outro lado
Nesta terça-feira, 18, o HB informou que não foi noticado pela Justiça. Quando isso ocorrer, irá analisar a possibilidade de recurso.
O hospital informou ainda que "todos os protocolos de doação de medula óssea foram revistos de maneira a garantir a maior segurança possível aos doadores". A nota ressaltou que não realiza mais a captação via veia subclávia, no pescoço. O hospital informou também que quando há indicação médica, a retirada das células para o transplante ocorre pelas veias do braço, sem cateter. "Há a possibilidade de o procedimento ser feito em centro cirúrgico, quando o médico avaliar ser necessário". O hospital também explicou que em casos excepcionais há coleta pela veia femoral, da virilha. Segundo a nota, depois da reestruturação não houve registros de intercorrências.
Já o advogado de Érica, Flavio Marques Alves, armou que não tem autorização para falar. Ivete Maria Simoes Cereto, advogada de Flávia, armou que "nós vamos seguir os trâmites do processo". A reportagem não conseguiu contato com a família de Luana.
Cronologia
Início de julho de 2011
Compatível com um paciente do Rio de Janeiro, Luana sai de Penápolis e vem ao Hospital de Base de Rio Preto para fazer a doação da medula óssea
4/7/2011
15h30: tem início a colocação de cateter para a punção da medula pela médica Flávia Leite Souza Santos
16h30: processo é encerrado por intercorrências
17h: após passar por raio-X, Luana é liberada do hospital pela médica Érika Rodrigues Dellate
20h: com dores, pressão baixa, diarreia e suor excessivo, Luana volta ao HB
22h40: Luana morre com hemorragia
Meados de julho de 2011
Necropsia aponta que a jovem tinha 3,5 litros de sangue no tórax. Médicas e enfermeiras envolvidas no caso são ouvidas na delegacia. Dias depois, elas são indiciadas por homicídio culposo. Paralelamente, HB abre sindicância para apurar o caso e logo reconhece que houve erro no procedimento. Ministério Público denuncia médicas e enfermeiras pelo caso.
Dezembro de 2011
Família de Luana entra com processo civil e pede indenização de R$ 1,9 milhão, além de pagamento de tratamento psicológico para a mãe da jovem.
Abril de 2015
Médica Érika é condenada a dois anos de reclusão em regime aberto. A pena foi substituída pelo pagamento de 30 salários mínimos para a família da vítima e dois salários mínimos para entidades assistenciais - total R$ 25.216.
As outras três prossionais são absolvidas.
Meados de 2016
TJ aumenta a condenação de Érika para dois anos e oito meses e condena também a médica Flávia por homicídio culposo.
Agosto de 2020
Médicas e Hospital de Base são condenados, na esfera cível, a pagar indenização de cem salários mínimos (cerca de R$ 100 mil) e pensão à família de Luana por danos morais e materiais.
*Diário da Região/Francela Pinheiro