A aprovação pela Câmara dos Deputados da PEC 241, que cria um teto para gastos públicos, foi um passo importante no enfrentamento da crise fiscal, ainda que se saiba que a iniciativa é tão somente um marco inicial de um longo processo, que requer, ao menos, um duro e indispensável debate sobre as prioridades setoriais no orçamento e a aprovação de uma reforma previdenciária que ofereça um mínimo de equilíbrio atuarial para o sistema e previna virtuais conflitos intergeracionais, em futuro não tão longínquo.
A arrecadação proveniente da regularização de ativos ilicitamente constituídos no Exterior (R$ 59,9 bilhões) foi, inquestionavelmente, um sucesso. Além disso, permitiu agregar à riqueza do País cerca de R$ 169,9 bilhões, valor um pouco inferior ao PIB nominal do Uruguai e maior do que o de 2/3 dos países latino-americanos.
O êxito arrecadatório não elimina, contudo, os flagrantes vícios de inconstitucionalidade da Lei nº 13.254, de 2016, apontados por inúmeros tributaristas.
As inconstitucionalidades, entretanto, somente são arguidas, a partir de uma avaliação de benefício e custo por parte de eventuais demandantes, como ensinava o jurista Saulo Ramos, então Consultor Geral da República, quando debatíamos a constitucionalidade do Plano Cruzado.
São raras as vezes, mormente no âmbito de matérias de interesse econômico, que inconstitucionalidades são suscitadas, sem considerar aquela avaliação.
Salvo se contornadas por legislação posterior, é muito provável, contudo, que algumas questões sejam encaminhadas ao Judiciário, a exemplo da partilha da receita proveniente da multa com os Estados e Municípios, e da vedação à regularização de ativos pertencentes a detentores de cargos públicos e seus parentes.
Pretende a lei qualificar como administrativa a multa exigida na regularização, vinculando-a à anistia penal. Claro que não é.
Trata-se de multa associada ao pagamento de tributo presumidamente devido, malgrado também sua questionável exigência. A regularização de tributo em mora somente vem desacompanhada de multa em virtude de anistia tributária. O que não é o caso.
Portanto, é a regularização tributária que implica a extinção da punibilidade dos crimes contra a ordem tributária e contra o sistema financeiro, e de lavagem de dinheiro, como, mutatis mutandis, já ocorre quando não há evasão de divisas.
Qual a consequência desse entendimento? Os Estados e Municípios, por meio dos Fundos de Participação dos Estados e Municípios (FPE e FPM), tanto quanto na parcela correspondente ao imposto pago, terão direito à partilha na multa, conforme critérios estabelecidos na Constituição. Em outras palavras, o montante de R$ 11,9 bilhões destinado aos Estados e Municípios seria duplicado.
Tendo em conta a crise fiscal daqueles entes federativos, governadores e prefeitos já anunciaram a pretensão de judicializar a questão.
A vedação à regularização de ativos de detentores de cargos públicos e seus parentes somente se explica por uma demagogia, de inspiração falsamente moralista.
Por que presumir que ativos dessa natureza são sempre provenientes de corrupção? A origem na corrupção deve ser investigada em todos os casos.
A norma é francamente ofensiva aos princípios constitucionais vinculados à isonomia. Sua quebra somente pode decorrer de excepcionalidade, que demanda robusta justificação – inexistente, no caso.
De mais a mais, a norma é, em tese, difamatória contra todos os ocupantes de cargos públicos e seus parentes.
O sucesso arrecadatório da regularização de ativos, cuja iniciativa deve ser creditada à CPI do HSBC no Senado, deveria inspirar outras transações tributárias.
Destaco uma delas: a controvérsia sobre a dedutibilidade no ágio, cujo desfecho levará muito tempo no Judiciário, porque se trata de matéria complexa e sujeita a muitas interpretações.
O tema requer uma nova construção normativa. A superação desse litígio será boa para o contribuinte e haverá de produzir uma nova e relevante receita extraordinária.