Alessandro Caravillani era um jovem italiano de dezessete anos de idade. Na tarde do dia 5 de março de 1982, ele caminhava em direção a uma escola de artes que frequentava em Roma – mais precisamente na Piazza Risorgimento. A poucos metros de distância de onde estava Alessandro, representantes do Núcleo Armado Revolucionário (NAR) tinham acabado de assaltar um banco e iniciavam uma violenta troca de tiros com a polícia. Durante o confronto, os terroristas disparavam descontroladamente contra todos aqueles que se encontravam nos arredores. Alguns pedestres foram feridos. Alessandro, infelizmente, não teve a mesma sorte. Ele faleceu quase em frente à escola de artes que, hoje, leva o seu nome. Não foi possível identificar qual disparo acertou Alessandro. Todos os terroristas envolvidos no assalto foram presos ou mortos no confronto com a polícia.
Roberto Nistri era membro do NAR e participou do assalto em 1982. Ele foi condenado pela justiça italiana e cumpriu integralmente a pena, passando dezoito anos na prisão. Em liberdade, Nistri estudou biologia Universidade de Roma La Sapienza e iniciou carreira de fotógrafo especializado em natureza e animais. Seus registros fotográficos foram premiados em diversas disputas internacionais.
Na internet, o nome de Nistri é sempre vinculado aos atos de terrorismo cometidos no início da década de 1980. Incomodado com isso, o fotógrafo acionou a justiça italiana pedindo que os mecanismos de busca do Google deixem de aproximar o nome “Roberto Nistri” a termos definidos como “terrorista”, “assassino” e “Alessandro Caravillani”.
O pedido de Nistri está fundamentado em uma figura de direito bastante debatida pelos juristas atualmente. Trata-se do “direito ao esquecimento”, que escrevo entre aspas porque nem mesmo a expressão que nomeia esta figura escapa das irregularidades de tratamento que o cerca. Sobre o assunto, consigo enxergar duas situações bastante claras.
De um lado, penso ser importante reconhecer o “direito ao esquecimento” como direito fundamental de todo ser humano. Afinal, nenhuma pessoa deve ser peremptória e incessantemente rotulada em função de determinada conduta que praticou no passado. É por esse motivo que este direito também é chamado de “direito a ser deixado só”, “direito a ser esquecido” ou “direito a ser deixado em paz”.
Do outro lado, é preocupação máxima de qualquer sociedade garantir não só a liberdade de expressão, mas também o justo e escorreito prosseguimento do relato histórico. Não temos controle sobre o passado, mas temos controle sobre como ele é contado. Naturalmente, qualquer tipo de restrição ou controle de acesso a conteúdo histórico deve ser visto com bastante espanto e seriedade.
Mas qual lado deve prevalecer? Quais são as circunstâncias mais importantes? Quais critérios o juiz precisa verificar para definir se deve ou não conceder o pedido do autor de “ser esquecido”? Estudei e não encontrei resposta a estas perguntas.
O problema é que, enquanto a resposta não chega à comunidade jurídica, milhares de pessoas seguem sem saber se podem ou não viver sem suportar a pressão de certo estereótipo do passado.
Mas quem deve se dignificar a responder essas perguntas? Nós, os estudantes de direito. Essa é a nossa missão maior. Isso é ser verdadeiramente um jurista.
Leitor, se você é estudante de direito e, como eu, não sabe responder as perguntas que formulei no parágrafo acima, levante-se e comece a ler, discutir e pensar. Se esse assunto não lhe interessa, procure outro: o que não falta são perguntas carentes de respostas. A sociedade espera isso de você.
Mas e o caso de Roberto Nistri? Como ficou? Pois bem: o juiz italiano indeferiu o pedido, entendendo que o relato histórico não deve ser remontado como se fosse um brinquedo de Lego, eliminando nomes, sobrenomes e informações de acordo com a conveniência de um pedido individual. Notadamente prevaleceu neste caso o interesse pela preservação da memória histórica. E aí, você concorda?