A nossa boa e velha moda caipira, que por anos era ouvida apenas por caboclos na roça e pelos saudosistas moradores nas franjas das cidades, se destaca cada vez mais no cenário nacional. Alcançou o lugar que ela sempre mereceu entre seus admiradores. Muitos deles, que haviam deixado seu torrão amado em busca de dias melhores, sentem-na cada dia mais vibrante.
E a comida caipira?
Em nossa região, nos encontros de comitivas, tropeiros fazem a queima do alho à semelhança dos antigos boiadeiros que cortavam o nosso sertão de norte a sul.
E o dialeto? E o jeito singular do falar do caipira, como anda?
Sinto que cada dia menos pessoas usam o nosso dialeto. Nas palestras que faço em escolas, faculdades, enfim, onde for chamado, noto nas pessoas que umas o conhecem, outras nem ouviram falar. Quando solto essa frase: “Isturdia, arriei u meu bai i fui campiá u marruá qui ficô di arribada lá nu fundu du carrascá”, alguns tentam traduzir, outros, nem se aventuram. Mas sentem um fascínio e uma dor quando ficam sabendo que o dialeto falado por seus ancestrais está aos poucos morrendo. Dentro de mais alguns anos, só um punhado de estudiosos terá o conhecimento das origens e da fala do caboclo.
O nheengatu (língua bonita em tupi) surgiu no século 17 como língua geral derivado do tupi, facilitando a comunicação entre o português e o índio, sendo depois proibida pelo rei de Portugal. Surge, então, da língua proibida, o nosso dialeto. O dialeto caipira.
Somente a cidade de São Gabriel da Cachoeira, no Amazonas, tem duas línguas oficiais, o nheengatu e o português. Lá, as rádios transmitem os programas nas duas línguas. Aliás, quando um cidadão procura o cartório da cidade para passar escritura de um imóvel, tem a opção de escolher em qual das duas línguas deseja registrar o documento.
Felizmente, ainda restam umas poucas pessoas que tentam preservar o nosso dialeto. Meses atrás, numa agradável reunião no sítio Flamboyant, dos amigos Claudia e Egberto Zanetti, o Nhar, com a presença do casal Piçarra e Margarida, sogros do dono, conversávamos descontraidamente sobre nossas aventuras da infância. Entre os presentes, cumadi Li, que atura o cumpadi Dimirsu, contava ao grupo que quando menina pescava de peneira com as irmãs no corguinho que passava no fundo do quintal de sua casa, lá no “Barsamu”. Quando pegavam picuíras, os engoliam vivos para aprender a nadar.
Os amigos se entreolharam sem entender o que era a palavra picuíra. Ela traduziu aos curiosos que eram alevinos de lambaris que, quando pescados na peneira, ficam pulando sem parar. Dizia a lenda que era tiro e queda: quem engolisse um picuíra vivo virava um peixe na água. Meninos e meninas que desejavam aprender a nadar eram batizados com o infantil ritual.
O tempo passou... Parece que foi ontem. Ainda me vejo pescando de peneira pelos corguinhos da vida e tendo que engolir picuíras para aprender a nadar no grande oceano sem fim, onde flutua, sereno, o menino.