Graziele Delgado e Evandro Valereto (Foto: Arquivo Pessoal/ A Cidade)
Olá, querido(a) leitor(a)! Destaques na mídia neste final de semana mostram a realidade nua e crua quando o assunto é dinheiro: o ser humano é irracional! Daniel Kahneman, um psicólogo com prêmio Nobel em economia, irritou toda a classe de economistas das décadas de 1980 e 1990 provando que a teoria econômica tradicional (que prevê a tomada de decisão humana racional, com cálculo de custo-benefício) estava completamenta errada. E aqui estamos nós, algumas décadas depois, vivendo sua realidade. Explicamos melhor: a notícia é de 2022 e as principais mídias do país noticiavam: “Neymar lança coleção de NFTs e novo metaverso”. Bastou um dos caras mais influentes do mundo comprar alguns desenhos de macacos estranhos, que utiliza a tecnologia de Blockchain (a mesma das criptomoedas), para especialistas defenderem os desenhos como “moeda de valor”, um “ativo importante para ter na carteira”, etc. Mas qual a verdade sobre isso? Tudo não passou de um movimento de manada (ou uma “modinha”, no bom português).
Talvez você estivesse em Nárnia nessa época (afinal, o assunto foi destaque em tudo que é lugar), ou simplesmente não ligou para essa tendência. Então vamos começar explicando o que são NFTs: um token não fungível. Oi? Um token é a representação digital de um ativo (pode ser dinheiro, propriedade ou obras de arte), registrados em uma blockchain – tecnologia utilizada para geração de criptomoedas. Na prática, uma pessoa que possui um token de uma propriedade tem direito sobre aquele imóvel, ou parte dele. Agora, quanto ao “não-fungível”, significa que é exclusivo e não é possível alterar. Portanto, um NFT é algo parecido com uma “obra de arte digital” e exclusiva.
Todo o burburinho começou por causa de uma notícia no jornal O Globo: “Pesquisa mostra que 95% dos NFTs não valem mais nada”. O que isso significa? Que após dois anos da febre desses “ativos”, eles não valem mais nada. É como se você tivesse comprado um bem que perdeu seu valor. Segundo informações, cerca de 23 milhões de pessoas perderam o que investiram na compra desses ativos e não foi só isso: na época, museus criaram galerias para expor NFT e empresas se mobilizaram para criar “seus próprios ativos exclusivos”, como se fosse uma “moeda de ouro”.
Se engana quem pensa que essa foi a primeira vez que seres humanos agiram de forma irracional com seu dinheiro: a história está recheada de casos e o mais importante – COMO esses fenômenos acontecem e acabam quebrando milhares de pessoas no caminho? No jargão do mercado, o que ocorreu com as NFT é um fenômeno chamado de “bolha financeira”: o preço dos ativos aumenta muito mais do que seu valor fundamental, de forma que acabam entrando em colapso. Na prática: os ativos valeram muito mais do que deveria. E o processo de bolha funciona assim: na fase inicial, de formação da bolha, investidores bem informados compram esses ativos no início, quando os preços ainda estão equilibrados. Então chega a mídia dando uma atenção maior (no caso em questão, pessoas muito famosas como o Neymar gastaram rios de dinheiro com isso) – é quando o movimento de manada acontece. É aqui que se vinculam os ativos como ótimos investimentos e uma forma de ganhar dinheiro rápido, trabalhando com a ganância das pessoas: todo mundo quer surfar a onda e ganhar sua parcela do banco. Os preços vão subindo, subindo, até que se percebe o “engano” cometido e, daí em diante, é só ladeira abaixo.
O caso mais famoso da história das bolhas financeiras, sem dúvidas, é o das tulipas no ano de 1600. Sim, é isso mesmo que você leu: milhares de pessoas perderam propriedades, bens valiosos e dinheiro por causa de... flores. Tudo começou porque as tulipas passaram a ser um símbolo de status da sociedade holandesa na época, o que fez os preços dos bulbos aumentar: os mais ricos começaram a comprar as flores (quanto mais raras, mais caras) e isso chamou a atenção para oportunidade de lucro. Para você ter ideia, as pessoas trocavam terras e imóveis por bulbos de tulipa e isso motivou a especulação do mercado futuro das flores: basicamente, um comprador se comprometia a adquirir um bulbo no final da temporada por um determinado preço. Mas isso chegou a patamares tão ridiculamente altos, que os mais prudentes começaram a desistir desses contratos e houve um pânico generalizado. Até mesmo o governo da época tentou interferir para equilibrar e reduzir o estrago, mas não teve jeito: os holandeses ficaram traumatizados (e muita gente perdeu muito dinheiro).
Existem muitas outras, como a bolha do mercado imobiliário dos EUA, em 2009 – que ainda reflete efeitos econômicos atualmente -; a bolha das empresas “pontocom”nos anos 2000; etc. Cada bolha é diferente, mas todas compartilham um ponto em comum: a irracionalidade humana. Alguns atalhos mentais que contribuem com a formação das bolhas é o efeito manada, que consiste em fazer o que a maioria está fazendo. Junte isso à aversão à perda – aquele sentimento em que parece que todos estão ganhando dinheiro, menos você - à autoconfiança excessiva (quando você acha que tem mais informações e inteligência do que realmente tem) e ao efeito de disponibilidade (todos estão falando disso, até no bar da esquina). Pronto: você tem a receita perfeita da tragédia financeira de muita gente.
Portanto, querido(a) leitor(a), entenda: quando o assunto é dinheiro, vale dois princípios básicos. O primeiro é conhecimento básico sobre investimentos, entendendo sobre os ativos, suas características e o que, de fato, deve ser considerado na hora de investir seu precioso dinheiro. O segundo são as armadilhas psicológicas que ocorrem o tempo todo na hora de fazer escolhas. Como Kahneman diz em seu livro: “não compramos pelo que sabemos. Compramos pelo que sentimos”. Isso serve para tulipas, NFTs, chocolates ou ações. No final do dia, “não perder dinheiro” com as modinhas é sobre fazer o básico bem feito. Tenha uma excelente semana, querido(a) leitor(a).