Antonio Rocha Bonfim (Foto: Divulgação)
Três homens – Túlio, Odair e Tarcísio – estão sentados à mesa de um bar.
“Bons tempos aqueles”, diz o Túlio, após engolir um pouco de cerveja, “belas histórias eram ouvidas em mesa de bar, hoje em dia, tudo é raso e superficial”, e suspirou com saudosismo, “uma pena!”
“Trocávamos ideias engolindo chopes e, de repente, aparecia um artista maluco com a caricatura de alguém do grupo e a vendia por uma bagatela”, diz o Odair, “e os botequins tinham um pequeno palco improvisado, um violão e um banquinho, qualquer pessoa podia ocupar o palco e tirar um som.”
“Então veio a revolução tecnológica e inaugurou a era que introduziu nova dinâmica ao cotidiano”, diz o Tarcísio, “uma dinâmica que mudou o conceito de arte, aniquilou o lirismo e priorizou a velocidade e a quantidade em detrimento da criatividade e da qualidade.”
Os três homens são sexagenários e amigos desde a infância. A amizade entre eles tem mais de meio século. Volta e meia, encontram-se para tecer comentários sobre os bons tempos idos. No boteco em que estão não tem palco nem violão nem banquinho. O único som que embala a noite de recordações vem da renitente sirene de uma viatura policial nas imediações.
“Vocês se lembram do Soares Velho?”, pergunta o Odair, assim que o som da sirene desaparece na noite plúmbea.
Túlio e Tarcísio respondem que sim, que se lembram do Soares Velho.
Os irmãos Soares faziam parte da turma de quarenta anos atrás, uma turma de colegas de faculdade e amigos leais. Os Soares eram gêmeos idênticos e o pessoal chamava de Soares Velho o que nascera minutos antes; o outro, evidentemente, era o Soares Novo.
“O Soares Velho contava uma história que nunca esqueci”, diz o Odair.
“Qual delas?”, pergunta o Túlio, “o Soares Velho vivia contando histórias.”
“Aquela história do pedreiro que queria ser mais forte do que era”, diz o Odair, “acho que se tratava de uma história oriental.”
“Recordo vagamente”, diz o Tarcísio.
“Resumidamente”, continua o Odair, “a história é a seguinte: era uma vez um pedreiro que queria ser mais forte, transformou-se então em sol, depois em vento, e finalmente, em rocha, ficou feliz, já que a rocha é, inegavelmente, forte”, parou por um instante, tomou um bom gole de cerveja e finalizou, “porém, a felicidade do pedreiro durou pouco, pois logo apareceu um pedreiro e o transformou... em pó.”
“Eis aí uma história emblemática”, pondera o Túlio, após breve silêncio.
“É! Uma história que desenha a trajetória humana na Terra”, diz o Tarcísio, “a busca quase sempre equivocada e a ambição desenfreada.”
“Assim são os homens”, diz o Odair, “no afã de perseguir a mobilidade, tentam buscar fora o que, por vezes, está dentro deles.”
“E o Tony? Vocês se lembram dele?”, pergunta o Túlio.
“Claro, lembro dele, sim, o Tony escrevia histórias”, diz o Odair, “é incrível como, sem querer, perdemos contato com os amigos, nunca mais vi o Tony.”
“Provavelmente o Tony continua escrevendo histórias”, diz o Tarcísio, “é até possível que, movido por uma imperscrutável intuição ou algum intangível mistério, ele escreva sobre esse nosso encontro.”
Os três concordaram com um gesto enigmático. E chamaram o garçom.