Minha amiga e vereadora Celi Regina foi a responsável por me apresentar uma das pessoas mais apaixonantes que conheci nos últimos tempos. Trata-se de Antonio Azevedo Pontes, casado com dona Brasilina. Aos 90 anos, e esbanjando saúde, dono de memória prodigiosa, por esse motivo, “arresorveu” deixar suas lembranças no livro “Retalhos da Vida de um Campeiro”. Com apresentação da filha Tercília Vilela de Azeredo Oliveira, prefácio e cuidados gráficos da neta Nilze Maria de Azeredo Reguera. A edição nos convida para leitura imediata, coisa que fiz de um só fôlego. Os capítulos, bem dispostos, nos convidam a ir em frente e, quando me dei conta, estava finalizando a leitura. O menino, o jovem e o homem estão expostos como uma fruta aberta, acabada de ser apanhada no pomar da vida do “seu” Azeredo. Sua história é muito parecida com as dos que nasceram e viveram embrenhados sertão afora.
Nosso escritor nasceu em 1923, no Arraial dos Patos, atual Paulo de Faria. Naqueles tempos, a pequena vila era cercada de matas virgens, as vias de acesso eram as velhas estradas boiadeiras, ligando vilas, povoados e lugarejos. Por elas, somente a pé, a cavalo ou carro de boi. A vida era custosa, difícil e bruta, e foi nesse ambiente que ele viveu.
Ele nos conta que nasceu numa antiga “tapera”, de construção sólida. Dentro da casa não havia móveis, apenas uma prateleira e as “catres” – camas de ripas com quatro forquilhas. Sobre elas, colchão de palhas e travesseiros macios, cheios de painas. Foi ali que teve suas primeiras experiências. Menino curioso, queria saber por onde a galinha colocava o ovo. Tinha vergonha de perguntar. Então, ficou de tocaia, até que a viu arrepiar as penas da cabeça, fechou os olhinhos e... o ovo saiu. Pensou que não o tinham visto vigiando. Para sua surpresa, a mãe, enquanto colocava roupas para quarar, o observava de longe, sem que ele percebesse. Na hora do jantar, houve comentários sobre sua recente descoberta. Ele quase morreu de vergonha.
Pescar ele aprendeu com o avô. Nas tardes quentes do sertão, lá iam os dois de caniço nos ombros em direção ao “corgo” pescar traíra, lambari, piauzinho e “peixe cachorro”. Quando ficou maior, foi o avô quem também o ensinou a encabar e amolar enxadas, capinar, a dar o golpe certo e a cortar de foice e machado. Lembra-se com orgulho da roça do avô: “A roça dele era aquela belezura, morangas, abóboras que ficavam pequenininhas, quando maduras, eram cozidas com casca e adoçadas com rapaduras”.
O menino do sertão, conforme ia crescendo, segundo nos conta, o serviço ia aumentando. Aprendeu a cavalgar num cavalo velho e manso para ajudar na lida. Aos 6 anos, percorreu a distância de uma légua montado no alazão, ao fazer sua primeira viagem sozinho pela estrada em meio ao mato e a pastagens. Recebeu da mãe a incumbência de ir buscar na casa da avó remédio para a irmã. Aos 10 anos, tinha como obrigação arrumar o terreiro, tratar dos porcos, apartar as vacas para tirar o leite pela manhã.
O sonho do jovem moço era tornar-se boiadeiro. Em companhia do pai e de tios, viajou muitos anos levando boiada para diversas regiões, inclusive para o frigorífico Anglo, em Barretos. A aventura durava cinco marchas para ir e duas para voltar. Lembrando que uma marcha equivale a um dia de viagem.
O escritor Antonio Azeredo Pontes carrega no jacá do tempo belas recordações. O gesto, a serenidade, o olhar doce e terno e a saudade dos tempos idos nos mostram que, apesar de tantos janeiros, ainda habita nele o menino do sertão!