O filme lançado em julho de 2013 foi uma coprodução francesa, alemã e luxemburguesa, dirigido por Margarethe von Trotta e protagonizado por Barbara Sukowa. Sob o gênero drama-histórico, conta parte da vida de Hannah Arendt, dentro dela, sua cobertura jornalística do julgamento do caso Eichmann em Jerusalém.
Para conectarmos suas teorias com o caso Eichmann precisamos de algumas explicações prévias. Muito já se sabe e já se ouviu falar sobre a perseguição do regime nazista aos judeus após a ascensão desse partido ao poder em 1933. Primeiramente os judeus foram segregados em guetos, suas posses foram tomadas pelo III Reich, casamentos entre eles e arianos foram proibidos, entre outras iniquidades estipuladas em leis; em um momento posterior, a “solução final” foi implementada por meio do extermínio sistemático dessa nação.
Mas a dita “solução final” necessitava da administração da logística dessas pessoas indesejadas entre os campos de concentração, onde receberiam suas sentenças de morte. Acredita-se que um dos principais responsáveis por esta racionalização era justamente Adolf Eichmann. Ele foi preso em Buenos Aires e foi julgado em Jerusalém na década de 60. Muitos oficiais nazistas, após a derrota na II Guerra Mundial fugiram por algo que se chamou de “caminho dos ratos”.
Um dos destinos desses caminhos era a América Latina, preferencialmente Brasil e Argentina. Utilizando deles, Eichmann, viria a se instalar na Argentina, lá vivendo e trabalhando sob outra identidade até 1960, quando foi capturado pelo Mossad (que é um serviço secreto do Estado de Israel). Levado para a capital israelense, foi condenado à morte por enforcamento.
A cobertura desse julgamento para o The New Yorker ficou a cargo de Hannah Arendt, cujos artigos escritos estão no livro Eichmann em Jerusalém: um relato sobre a banalidade do mal. O subtítulo nos dá a deixa para os comentários jurídicos da coluna de hoje.
A imagem prévia de nazista sanguinário e implementador da solução final fez com que o colocassem em uma jaula de vidro na sala de audiências (imagens originais são insertadas no filme), mas foi impactante a Arendt que este homem não era nada mais que um burocrata resfriado, arrivista e cumpridor cego do ordenamento jurídico iníquo vigente. Hannah Arendt então cria o conceito filosófico da “banalidade do mal”, tendo sido muito lembrada e criticada por isso até hoje. O que significa?
A perseguição aos judeus era ordem jurídica vigente, foram expropriados, deportados, mortos e o burocrata simplesmente respondia que “cumpria a lei”. Daí incorremos no debate eterno entre justiça vs. legalidade e pensamos na questão: basta o funcionário público dizer que está na lei?
A ocorrência histórica das leis nazistas, fez com que houvesse alterações profundas na filosofia jurídica posterior; viu-se que apesar da legalidade de uma lei aprovada em parlamento nazista, aplicada por administração pública nazista e julgada por juízes nazistas não bastava ao impedimento de atrocidades; necessitava-se de algo que conferisse justiça a elas. O pêndulo então oscilou da letra pura da lei para algo que se chamou de pós-positivismo.
Hoje, quando alguém disser então: “está na lei”, devemos entender que “lei” é um conjunto de regras e princípios; as primeiras são mais diretas, os segundos, mais fluidos: dentro do princípio da dignidade da pessoa humana, pode-se entender muita coisa, diferentemente da regra da velocidade permitida de 100 km/h.
Em resumo, a teoria e o sistema jurídico tentam acompanhar e explicar as transformações sociais, às vezes de maneira crítica e outras vezes justificando atrocidades, como ocorreu no regime nazista. Sendo o fenômeno jurídico um fruto da cultura e proveniente da vida em sociedade, o correto a se afirmar é que em uma sociedade menos doente, leis menos doentes, em uma sociedade com mais moralidade, menos necessidade de leis. Lutemos por alterações culturais e morais, mais do que pela feitura de mais e mais leis