Os primeiros desbravadores chegaram à nossa região por volta de 1810, 1820, segundo historiadores. Encontraram mata densa, muita água e solo fértil. Era a combinação perfeita para aqui se estabelecerem e iniciarem a derrubada da floresta, preparar o solo e, aos poucos, ir plantando para suas sobrevivências e, com o passar do tempo, vender o excedente. O que antes era simples picadão, com coragem e determinação, pelas mãos dos nossos bravos caboclos, tornou-se leito carroçável. Grandes árvores eram derrubadas, e das suas madeiras faziam-se pontes sobre córregos e rios. Eram construídas à base de ferramentas rústicas, demoravam-se dias para fazer um simples tablado.
As melhorias possibilitaram a passagem dos carros de bois, tornando a via de mão dupla: levavam cereais para a cidade e traziam na volta produtos industrializados, tais como querosene, remédios, pólvora e ferramentas. O veículo era lento, mas possibilitou o transporte das cobiçadas mudas de café.
Na década de 1890, as primeiras plantas foram trazidas e, com o passar do tempo, formaram-se imensas lavouras. Não demorou para nossa região se tornar grande exportadora da rubiácea. O ouro verde trouxe progresso e riqueza. Os que aqui estavam iam buscar em seus lugares de origens parentes ou famílias amigas para a lida nas lavouras e, com essas ações, fazendeiros investiam na construção de colônias, tulhas, terreirões e armazéns. Os grãos negros do café faziam girar a grande roda do progresso.
Porém, havia entre os fazendeiros, meeiros, colonos e arrendatários um grande pavor com a aproximação do inverno: a geada negra! Ela aparecia em média a cada 30 ou 40 anos, mas, quando vinha, era tão intensa que queimava as árvores do cafeeiro. Em muitos casos havia necessidade da erradicação da planta, tal o grau da queimadura, e isso era sinal de prejuízo. Em meados dos anos de 1960, os caboclos, assim que aproximava o frio, ficavam em estado de alerta. A última geada negra havia acontecido na década de 1930. Claro, motivos para preocupação eles tinham de sobra. A safra do café acontece a cada dois anos. Em 1973, houve boa colheita, a seguinte seria em 1975. Os milhões de pés mais pareciam noiva em dia de casamento. Bordados de flores brancas, os galhos pendiam como se fossem véus e grinaldas e exalavam doce aroma pelos campos. A alegria era geral.
Numa madrugada de agosto daquele ano, ela apareceu como madrasta malvada. À medida que o sol ia subindo no horizonte, o gelo cruel pousado nas folhas e flores aos poucos ia enegrecendo e queimava uma a uma cada florzinha, vestindo de luto a alma do pobre caboclo, que tudo assistia sem nada poder fazer, a não ser chorar a dor da perda de dois anos de trabalho penoso e mal remunerado. Íamos com nossas famílias às lavouras assistir a morte lenta das plantas que tanto amávamos e que davam sustendo a tanta gente.
Essa tragédia marcou de forma indelével minha vida. Nesse dia, perdi o encanto pela roça. Estamos às portas de outro acontecimento, depois de tantos anos. Ao me lembrar da cena, dou-me conta de que a friagem daquela fatídica madrugada na minha alma ainda permanece.