Graziele Delgado e Evandro Valereto (Foto: Arquivo Pessoal/ A Cidade)
Olá, querido(a) leitor(a). O assunto da semana é uma mistura de indignação com provocação: está se formando uma comunidade global de jovens garotas que roubam e ostentam suas “conquistas” nas redes sociais, ensinando outras jovens a fazer o mesmo. Meninas na faixa dos 18 anos que se sentem “trouxas” por terem que pagar pelo que desejam e se sentem no direito de entrar em uma loja e roubar, só porque querem. Obviamente, isso tem raízes muito profundas no que tem se ensinado sobre dinheiro, conquistas, trabalho, sucesso, etc: precisamos refletir sobre os repertórios comportamentais de consumo que estamos criando nas gerações mais jovens.
Vamos começar explicando o que é o “mirtilo”, gíria para furtos e lojas que está virando onda nas redes sociais. A comunidade é internacional e formada, principalmente, por jovens garotas (adolescentes ou no início da vida adulta). Elas compartilham não apenas os itens roubados, mas trocam dicas para fazê-lo: costurar fundos falsos em bolsas, encontrar pontos cegos de câmeras de segurança, desmontar alarmes e até como proceder se forem pegas pelas por autoridades. Parece um absurdo, mas essa é a mesma geração da demissão silenciosa, da fuga de cargos de confiança e responsabilidade, dos jovens que querem morar para sempre com os pais... Como explicar tais comportamentos?
Poderíamos ficar semanas falando sobre o mesmo assunto: ele possui muitas camadas. No artigo de hoje, queremos focar na questão das crenças – a camada mais profunda. Crenças são as lentes com as quais olhamos o mundo: são as “verdades absolutas” que guiam todas as nossas escolhas, desde a roupa em que vamos usar, até a forma como reagimos a uma situação. Quais as crenças que ancoram todos esses comportamentos disfuncionais? Basicamente, tudo aquilo que temos de modelos atuais sobre trabalho, sucesso, felicidade, função do dinheiro, consumo, etc.
Uma geração inteira que, enquanto cresce, acredita que tem direito a tudo pelo simples fato de existir. Uma geração que não aprendeu que o dinheiro é consequência de utilidade, de ajudar ao outro, de resolver problemas. Uma geração inteira que usa o consumo e o materialismo como identidade, como patente social. Uma geração inteira que acredita que o trabalho é a pior maldição do ser humano, e imagina infinitas formas de “enriquecer e nunca mais precisar trabalhar”. Isso, inclusive, também explica o quanto a juventude está mais exposta e influenciável não só às redes sociais, mas a cassinos, apostas online, DayTrade ou qualquer outra forma de promessa de dinheiro fácil e ganhos rápidos. Uma geração que precisa pertencer a qualquer custo, sem ética e moralidade. Uma geração que acredita no “Hobin Wood econômico”, que tira dos ricos para dar aos pobres. Uma geração de princípios fracos.
E de onde vem essas crenças? Da porta para fora, os contextos atuais têm se formado para, cada vez mais, gerar desinformação econômica: achar que liberação de dinheiro e crédito não causam inflação; disseminar a ideia de que o rico tira do pobre, de que quem produz é explorador, de que o Estado deve garantir tudo, etc. Isso está em filmes, livros, seriados, desenhos animados, materiais didáticos e no ambiente escolar. A cada dia, “odiar ricos e herdeiros” se torna uma norma social “cool” para as novas gerações – que, por não ter educação financeira básica, vira alvo fácil de manipulação.
Da porta para dentro, temos pais preocupados com o que o dinheiro pode comprar, mas ausentes e incompetentes em construir valor. Se preocupam em pagar a melhor escola, o melhor curso de inglês, a natação, o beach tênis. Se matam para pagar empregada (afinal, seria um crime os filhos lavarem uma louça ou um banheiro); dar o primeiro Iphone, o videogame, o computador pessoal, o intercâmbio, o primeiro carro. Mas pagar por tudo isso custa muito trabalho – não sobra tempo e disposição para construir princípios.
Entenda: absolutamente tudo o que você faz e fala está criando crenças e repertório comportamental nos seus filhos. A sua própria forma de consumir, a sua organização, a forma como você responde, o quanto você reclama do seu trabalho, a forma como você corrige. Absolutamente tudo está comunicando e sendo absorvido para o inconsciente desta criança/adolescente. E aqui fica a provocação: o que o seu comportamento ensina para seus filhos? De que forma eles tem visto o mundo? O quanto você os tem privado de desenvolver autonomia, responsabilidade, paciência, conquista? O quanto a sua ânsia de não causar dor ou frustração tem castrado seu(a) filho(a) de ser um ser humano justo, ético, honesto e trabalhador? Quais sementes você está plantando nesse solo fértil, que é o cérebro de uma criança?
O artigo desta semana é um alerta: nada disso que estamos vivendo aconteceu por acaso. Tudo foi construído. O nosso único poder diante disso tudo é construir algo melhor. Da porta para fora, temos pouco controle do que nossos filhos terão acesso. Por isso, é muito importante refletir sobre quais princípios serão construídos da porta para dentro. Conhecimento, responsabilidade, autonomia e utilidade: eis o que realmente pode salvar essa geração da ruína. O que você tem feito? Vale a reflexão. Tenha uma excelente semana, querido(a) leitor(a).