Entenda como funciona o processo
O sonho, enfim, havia se concretizado. Aos 21 anos e apaixonada, a secretária carioca Luciana casou-se com o namorado dos tempos de adolescência, com direito a cerimônias religiosa e civil, festa e lua-de-mel. Seis meses após a união, no entanto, o sonho tomou contornos de pesadelo: ela descobriu que o marido mantinha uma relação extraconjugal anterior ao matrimônio. O pedido de divórcio foi imediato.
Anos se passaram e Luciana conheceu o homem que a faria reviver seu sonho interrompido. Mas como a secretária já havia se casado uma vez, a nova união só poderia ser oficializada no civil. Segundo os preceitos da religião católica, o matrimônio é um sacramento válido “até que a morte os separe”, mas há exceções em que algumas uniões podem ser declaradas nulas. Foi baseada em uma delas que Luciana pôde entrar novamente na igreja de véu e grinalda.
“Escutava de muitas pessoas que o processo para conseguir a declaração de nulidade era demorado e difícil e que não ia conseguir. Mas não custava tentar”, relembra. A papelada necessária foi apresentada em 2004 e dois anos depois saiu o resultado. Em 2007, aos 33 anos, ela se casou novamente. “Fiquei satisfeita. O ritual de entrar na igreja é muito bom! Pela segunda vez foi melhor ainda”, comemora.
Cada vez mais comum nos dias de hoje, a declaração de nulidade matrimonial é dada pelo Tribunal Eclesiástico, um órgão de jurisdição da Igreja Católica. Com o documento em mãos, além de poder casar novamente no religioso, os envolvidos podem voltar a comungar nas missas. “Para quem segue uma religião, isso é importante. Agora me sinto realmente integrada à Igreja”, diz Luciana.
Casamento não é anulado
De acordo com a doutrina católica, um casamento não pode ser anulado e, sim, declarado nulo. Isso porque “anular” significa fazer com que algo que tinha existência legítima, deixe de tê-la. Já “declarar nulo” é afirmar que um ato nunca teve valor, apesar das aparências. “Só se anula algo que existe. Porque, se há casamento, ele é para vida toda”, explica o presidente ou vigário judicial do Tribunal Interdiocesano do Rio de Janeiro, monsenhor Enrique Perez Pujol.
Há alguns motivos que podem provocar a nulidade de um casamento, entre eles, infidelidade, como apresentado por Luciana. A traição, no entanto, deve existir antes mesmo do matrimônio. Em todas as alegações, é necessária a apresentação de documentos e testemunhas. A secretária apresentou sete. “Elas foram fazer minha defesa, como em um processo civil comum”, recorda.
Também são alegações válidas: a ocultação de uma doença grave ou da existência de filhos nascidos de outras uniões, casamentos forçados por medo ou violência, homossexualismo, impotência e mudanças bruscas de personalidade, revelando-se uma pessoa completamente diferente de como era conhecida antes do casamento. “Uma mentira para conseguir casar é motivo para declarar a nulidade. O cônjuge se apresenta de maneira diferente do que é na realidade. Dessa forma, não pode haver casamento”, avalia Pujol.
Um motivo recorrentemente apresentado aos tribunais eclesiásticos é a chamada imaturidade psicológica, que se caracteriza quando a pessoa não entende o que está fazendo ao se casar. “Alguns casais começam a brigar muito com cinco ou seis meses após o matrimônio. A vida a dois tem seus conflitos e muitos não sabem lidar com eles”, diz o vigário judicial. Ele, no entanto, alerta que os pedidos com essa alegação devem ser bem fundamentados. “Geralmente a Santa Sé não dá muitos processos afirmativos para esses casos”.
Dois tribunais
De acordo com a legislação canônica, para que a nulidade do matrimônio seja reconhecida, o pedido deve ser examinado por dois tribunais eclesiásticos. Após o resultado em primeira instância, o processo segue para um Tribunal de Apelação, em segunda instância. Se as sentenças forem iguais, a declaração é emitida. Se forem contrárias, a documentação segue para o Vaticano para desempate.
Atualmente existem 43 tribunais de primeira instância no Brasil e 16 de segunda instância. No órgão de jurisdição do Rio, o tempo de espera pela resposta tem sido de sete a oito meses. Em 2011, 55% dos pedidos em primeira instância foram finalizados. Destes, em 60% dos casos a nulidade foi declarada. Cerca de 30% deles obtiveram uma resposta negativa e 10% dos processos foram abandonados pelos autores das ações.
O custo para conseguir a declaração não é divulgado pela Igreja, mas, dependendo da situação financeira das pessoas, ele pode ser zero. Em 2004, quando deu entrada no seu processo, Luciana gastou aproximadamente R$ 2 mil. Hoje, feliz no casamento, com um matrimônio de quatro anos e uma filha de dois, ela conta que achou caro o valor pago na época, mas diz que cada centavo foi recompensado. “Agora eu tenho um casamento de verdade”, comemora, sorrindo.