Mulheres e homens buscam qualificações e consolidam carreiras antes de pensar em ter filhos
Segundo Ana Cristina Limongi, psicóloga social, professora e pesquisadora da FEA – USP (Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo), se antes as mulheres participavam de maneira informal ou coadjuvante do mercado de trabalho, agora elas disputam de forma competitiva com os homens vagas e salários – embora o salário das mulheres corresponda a apenas 75% do que o dos homens na mesma função, elas representam 56,2% da força de trabalho na região metropolitana de São Paulo, por exemplo, segundo a Fundação Seade e o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese).
Essa pressão por um desempenho cada vez melhor no mercado fez com que os projetos afetivos e familiares fossem adiados na busca de mais qualificação.
“Acontece o mesmo com os homens, eles têm filhos mais tarde porque entram no mercado mais tarde, precisam cada vez mais de especialização”.
A aposentadoria não garante o padrão de vida ‘dos sonhos’ e todos, homens e mulheres, se sentem obrigados a construir um patrimônio que garanta o estudo dos filhos, o eventual sustento dos pais e uma velhice digna. Para isso faculdade apenas já não basta, é preciso ser cada vez mais qualificado, estudar cada vez mais, colecionar diferenciais competitivos em relação aos demais.
“O que se vê hoje é uma reordenação do que se faz em cada ciclo de vida. Se antes a prioridade do jovem era constituir família, hoje a prioridade é ter uma carreira bem sucedida”, diz Ana Cristina Limongi.
“As mulheres estão com mais possibilidade de ascender profissionalmente e as chances das solteiras e sem filhos são maiores”, completa o sociólogo Luiz Antônio Nascimento, professor da Universidade Federal do Amazonas.
E qual o impacto desse adiamento na carreira deles e delas?
Marcos Minoru Nakatsugawa, presidente em exercício do CEPA – RH (Centro Avançado de Profissionais de Recursos Humanos), crê que o impacto na carreira dos homens por conta de um atraso na constituição de uma família é bem menor.
“Isso se deve ao fato de ainda haver diferenças entre as responsabilidades domésticas que homens e mulheres assumem, apesar das mudanças sociais recentes. E, é claro, às próprias diferenças biológicas [quem engravida, de fato, são as mulheres], fortes condicionantes, que diferenciam o impacto que esse atraso na constituição de um núcleo familiar causa em ambos os sexos”, fala.
“As gerações passadas faziam tudo ao mesmo tempo, depois, passaram a buscar o desenvolvimento profissional a qualquer custo. Agora, estão tentando chegar a uma forma de minimizar esse desequilíbrio, garantindo primeiro a estabilidade profissional, intelectual e emocional, para só então casar e ter filhos”, acredita a psiquiatra e sexóloga Carmita Abdo, autora do livro Descobrimento Sexual do Brasil (Summus).
Ela argumenta que as mulheres modernas querem ter mais e melhor contato com seus filhos e isso só acontece sem atrapalhar a carreira quando elas estão em uma posição de comando.
A administradora de empresas Erika Braga pensou nisso ao decidir engravidar, aos 30 anos. “Já trabalhava havia muitos anos na mesma empresa e estava em uma posição privilegiada. Tanto que agora que voltei da licença maternidade só estou trabalhando quatro horas por dia. Assim, fico bastante tempo com os gêmeos nesse começo da vida deles”. Ela confessa que, se pudesse, nem voltaria a trabalhar nos primeiros dois anos, mas teme não conseguir recolocação se pedir demissão agora.
Mesmo com a flexibilidade que algumas empresas oferecem, é inevitável o surgimento de novas formas de criação. “Nunca crianças e adolescentes frequentaram tantas atividades extracurriculares quanto no mundo contemporâneo”, lembra a psicóloga Maria Luiza Dias, autora de Famílias e Terapeutas: Casamento, Divórcio e Parentesco (VectorPro).
A saída para a falta de tempo dos pais, ao menos dos que têm condições financeiras para tanto, está em matricular os filhos em vários cursos e contratar auxílio doméstico. E esse não parece ser um caminho com volta.
“Hoje as pessoas vivem uma crise. A grande maioria está em crise, porque todo mundo tem consciência da importância de ter uma família, uma vida afetiva mas, ao mesmo tempo, sabe que precisa da carreira para fazer escolhas. Vivemos um momento de conflito, porque já sabemos que estamos fazendo tudo errado, mas por outro lado priorizamos o trabalho para ter uma garantia de médio prazo. Porque garantia a longo de prazo de estabilidade, ninguém tem”, analisa Ana Cristina Limongi. Para ela, talvez daqui a 10 ou 15 anos o cenário se transforme. Por enquanto, principalmente as mulheres estão tentando viver todos os papeis – mulher, esposa, mãe, profissional... – de forma muito intensa.
Ter filhos mais tarde, no entanto, parece ter mais vantagens do que desvantagens. A maturidade ajuda a não expor os pequenos a erros que pais mais jovens fazem por inexperiência.
“Pais jovens têm dificuldade em abrir mão de lazer, aventuras e viagens. Os mais velhos já fizeram essas coisas, então podem ser mais presentes. Eles são mais felizes nesse sentido, por não se sentirem frustrados”, analisa a psicóloga Ana Maria Fonseca Zampieri, autora de Erotismo, Sexualidade, Casamento e Infidelidade (Ágora).
A carreira consolidada é outro fator que ajuda na hora de criar filhos de forma mais plena e sem privações. O consumismo exacerbado costuma ser uma característica mais presente nos jovens.
“Superada essa fase, é mais fácil ensinar aos filhos valores éticos, como a preservação do planeta e a solidariedade”, enfatiza a especialista. Até mesmo a falta de pique para acompanhar as crianças está perdendo a força, pois, graças aos avanços na saúde, a disposição demora mais para ir embora.
Segundo os especialistas, a única desvantagem considerável é que pais com mais de 40 anos têm maiores dificuldades para impor limites.
Estaria tudo certo com essas transformações se o corpo feminino estivesse preparado para esse mundo ‘novo’. Só que isso não acontece.
O sistema reprodutor das mulheres foi feito para gerar filhos entre os 18 e 20 anos, o que era realmente o mais comum antigamente.
“Anos de estresse, cigarro, bebidas alcóolicas e má alimentação fazem com que as mulheres tenham sua fertilidade diminuída com o tempo”, descreve o ginecologista José Bento de Souza, de São Paulo. E o envelhecimento do sistema reprodutor é irreversível, pois o organismo feminino tem capacidade de produzir apenas uma quantidade limitada de óvulos durante a vida.
“Aos 30 anos já se começa a ter menos óvulos e ciclos anovolutários, ou seja, ciclos nos quais não se produzem óvulos”. O especialista conta que uma mulher de 20 anos sem problemas de saúde tem 18% de chances de engravidar em um mês. Em um ano as chances sobem para 90%. Aos 30 são 14% de probabilidade de engravidar em um mês e 80% em um ano. Aos 35 anos as chances caem para 10% e 40% e aos 40 anos diminuem para 5% e 40%.
“Para driblar esse envelhecimento, é preciso se preparar desde muito cedo, fazendo exercícios, mantendo uma dieta saudável e tomando pílula anticoncepcional, pois ela protege contra a endometriose, cistos ovarianos e miomas uterinos”.