A crise hídrica que afeta quase 1.000 municípios brasileiros das regiões Nordeste e Sudeste é algo histórico que, certamente, deixará grandes lições. O tema tem sido o principal foco de discussões, tanto na esfera pública como privada. Um ponto, porém, merece atenção. Até o momento, o grande enfoque está em como suprir a demanda diante dos baixíssimos índices dos reservatórios. Alternativas para trazer água de regiões cada vez mais distantes e, claro, a discussão em torno da recuperação dos mananciais norteia grande parte das preocupações.
Porém, a solução, não apenas para esta crise, mas para todo o sistema de abastecimento de grandes centros, não está somente nas alternativas para se obter novas fontes de água. Pelo contrário. O que precisamos é nos atentar à forma com que a água retorna ao sistema. Precisamos enxergar as regiões metropolitanas como grandes sistemas de reuso. Para abastecer a Região Metropolitana de São Paulo, por exemplo, são necessários 80 metros cúbicos de água bruta por segundo. Sabe-se que grande parte deste volume (cerca de 20%) se perde no caminho. Ou seja, 1 em cada 5 litros de água captada não chega às residências, indústrias, escritórios ou comércios. Esta questão já é amplamente discutida e, para ser solucionada, requer investimentos na rede atual. Assim, precisamos focar na água que chega ao consumidor.
Quando entregue, a água é utilizada para diferentes fins, desde limpeza, higiene pessoal, consumo ou processos industriais. Mesmo utilizada em todos estes processos, ela não desaparece. Estima-se que, do total de água entregue, são consumidos ou evaporados apenas 11,2 metros cúbicos por segundo (20% da água entregue). E o restante? Qual é a destinação desta água? O que fazemos com ela?
O fato é que, se não se perde, não é consumida ou evaporada, esta água retorna ao sistema, seja como efluente ou como esgoto. Este volume representa quase 65% de toda água bruta que chega ao sistema de abastecimento.
O problema é que, apesar de ser um volume significativo, a capacidade de tratamento atual não é suficiente. A estrutura hoje consegue tratar apenas 18 metros cúbicos por segundo. Pelos nossos cálculos, o total de efluentes e esgoto que chega ao sistema é de 51 metros cúbicos por segundo. Ou seja, 33metros cúbicos por segundo de esgoto liberados na Região Metropolitana de São Paulo não são tratados. Se considerarmos os dados mensais, os números são ainda mais expressivos. Em 30 dias, estamos falando em 85,5 bilhões de litros que poderiam retornar ao sistema tratados.
Se, ao invés de buscarmos outras alternativas para abastecer o sistema, buscássemos formas eficazes de melhorar a qualidade da água que retorna aos rios e de reduzir as perdas iniciais das águas captadas, o cenário seria bem diferente.
Ao reduzir as perdas de 20% para 10%, teríamos uma economia de 7 metros cúbicos por segundo. Se, além disso, fossem feitos os investimentos necessários para dobrar a capacidade de tratamento de esgoto da região e ampliação da rede coletora, teríamos mais 18 metros cúbicos por segundo de insumo para reuso.
Com estas três iniciativas (menos perdas, mais coleta e mais tratamento), mesmo ainda não conseguindo tratar 100% do esgoto que retorna aos rios, conseguiríamos um volume de 44 metros cúbicos por segundo, ou 114,0 bilhões de litros por mês, equivalente aos sistemas Cantareira e Alto Tiete somados.
A resposta para a crise hídrica atual e todos os possíveis desdobramentos futuros deve privilegiar o tratamento adequado do esgoto. A água precisa retornar com qualidade semelhante a que foi retirada. Assim, muito mais do que buscar novas fontes, o que a Região Metropolitana de São Paulo e tantas outras precisam é o controle da qualidade do descarte. Se cuidarmos de como devolvemos a água para os rios, vamos sofrer bem menos com a falta de chuvas e/ou problemas nos mananciais. A solução existe e é mais viável do que muitos podem imaginar.