Tive oportunidade de externar mais de uma vez, aqui, nesse espaço, o carinho e a gratidão que tenho pela Polícia Militar. Foi ela que solidificou as colunas e vigas mestras da moral e da razão em um caboclinho acabado de chegar da roça. As lições na escola de soldados ministradas – dentre outros – pelo então sargento Stéfano foram de fundamental importância na vida de um jovem aprendiz. Hoje, ao puxar pela memória, dei-me conta que tudo se iniciou no longínquo ano de 1977. Terminada a escola, fui nomeado para trabalhar em São Paulo, lá permanecendo por um ano.
Na volta para o interior, tive rápida passagem por Novo Horizonte e novamente Rio Preto, até minha reforma – aposentadoria – no ano de 2000.
Quando aqui cheguei, fui escalado para a fiscalização do trânsito. Não demorou para que a imprensa local descobrisse que o PM era também artista plástico. Matérias foram feitas enfocando o policial que pintava. No ano de 1979, o jornal “A Notícia” publicou uma série de reportagens sobre o problema com as drogas em nossa cidade. E, para ilustrar a matéria, colocaram uma obra minha, mas, por um descuido da redação, não deram o devido crédito à foto.
A redação ficava na rua General Glicério, no centro da cidade. Numa manhã, durante a fiscalização do trânsito na área central, resolvi ir até o jornal falar com o editor sobre o assunto. Fui atendido e perguntei pelo chefe de redação. A atendente pediu-me que aguardasse um momento. Depois de alguns minutos, ela voltou dizendo que o responsável não se encontrava. Disse-lhe que voltaria mais tarde.
O editor na época era o jornalista Leônidas Jericó. Acontece que ele havia acabado de chegar de São Paulo, onde trabalhava na “Folha de S.Paulo”. Na capital, ele era simpatizante do Partidão e alguns colegas haviam sido presos – estávamos em plena ditadura. Ele, vendo a barda do vizinho pegar fogo, colocou a sua de molho e veio para Rio Preto trazido pelo Jordão, visando tornar o jornal offset. Aqui chegando, ficou “na moita”, sem querer aparecer nem se envolver com política, com medo da ditadura.
Imagina como ficou quando a secretária lhe disse que havia um policial fardado desejando falar com ele. Muitos anos depois é que fiquei sabendo o que de verdade aconteceu naquela manhã. Antes mesmo de me aproximar do balcão, o Jericó já havia me visto e descido pelo elevador. Inventou uma desculpa aos funcionários e naquele dia não voltou mais ao jornal.
Em outra manhã, olha eu lá novamente, e nada do redator. Perguntava por ele e nunca estava. Hoje, ao relembrar a cena hilária, ele dá boas gargalhadas. Diz que, quando me via chegando pelo elevador, descia desesperado pelas escadas ou vice-versa. Pensava que eu havia descoberto seu paradeiro, suas atividades políticas e suas ligações com o Partido Comunista. Por isso fugia, temendo ser preso. Enquanto eu só desejava que dessem o credito para o desenho que ilustrava a matéria jornalística.
Como eu ia pela manhã e não o encontrava, claro, ele desaparecia. Resolvi ir à tarde. Dito e feito. Cheguei, a atendente me reconheceu, apontando o Jericó, que se encontrava de costas para a entrada. Quando me viu, ali, fardado à sua frente, segundo ele, suas pernas bambearam, pensou em correr, não teve forças. Suas mãos suavam frio, a boca ficou seca, e achou que tudo estava acabado.
Com a voz trêmula e se recompondo do susto, perguntou o que eu desejava. Disse-lhe o motivo da minha visita e tudo se acertou. Depois do ocorrido, nos tornamos amigos até hoje.
E foi assim que o guarda de trânsito quase mata de susto, sem saber, um jornalista simpatizante do comunismo: Leônidas Jericó.