A automação do mundo constitui um dos traços inovadores da era da informação, em cujos albores nos encontramos. O processo tornou-se conhecido como “revolução cibernética”. Criaram-se, em poucas décadas, mecanismos capazes de tarefas complexas, seguindo programas pré-estabelecidos. Transforma-se, desta maneira, a informação em ação, e fabrica-se um mundo de objetos que se movem autonomamente e executam as mais diversas tarefas. Desde cancelas eletrônicas de estacionamento (que nos saúdam, instruem e agradecem...) até robôs capazes de montar automóveis, assistimos à crescente ocupação do meio ambiente por mecanismos “inteligentes”. Surge o mundo automático.
A novidade patenteia-se, ao recordarmos que a revolução industrial (séculos XVIII-XIX) apoiou-se na utilização de máquinas capazes de converter em movimento a energia concentrada na matéria. O protótipo desta revolução foi a máquina a vapor, alavanca da produção industrial e dos transportes. Depois, vieram o motor de combustão e o elétrico.
Notemos, como efeito da industrialização, a enorme ampliação de poderio. Ganhamos complementos do corpo humano, que multiplicaram a capacidade de elevar e mover objetos, ou de percorrermos enormes distâncias. Embora nem sempre saibamos como administrar tanto poder, o desafio maior que a industrialização nos impôs é, sem dúvida, o da retomada do equilíbrio da Terra; pois em poucas décadas devolvemos à atmosfera quantidades de gás carbônico que as plantas levaram milhões de anos para concentrar. E eliminamos boa parte das florestas que garantem o “contrato da vida”, segundo o qual toda cadeia alimentar inicia-se pela vida vegetal.
A revolução cibernética, sem dispensar-nos da tarefa ecológica, nos lança novos desafios. Desdobrarei, a seguir, o sentido de um deles.
Enquanto o motor imita o sistema digestivo (transforma “alimento” em energia e movimento), o computador imita o sistema nervoso. Este nos torna capazes de armar reações sensório-motoras apropriadas aos estímulos vindos do mundo. Entre o organismo e o motor, e entre o sistema nervoso e o funcionamento de um computador há diferenças qualitativas irredutíveis. Mas a imitação funciona e a união entre a máquina e a informação se expande. Parques industriais automatizados, prédios “inteligentes”, robôs programados para cumprirem tarefas maçantes tornam-se comuns nos meios abastados das sociedades modernas. Ganhamos em eficiência, em promoção de efeitos desejados e controle dos indesejados (até certo ponto). O simples acionamento de uma tecla coloca em operação processos autônomos, previamente programados. E estes processos não apenas se nos oferecem em espetáculo, mas nos envolvem e acompanham nas tarefas do dia. Muitas vezes, aliás, nos dizem que decisão tomar.
A automação nos liberta de tarefas enfadonhas, mas também nos afasta do contato com a vida. Não apenas porque, na cidade, os aparatos técnicos se interpõem entre nós e o mundo natural, mas, sobretudo, porque o ritmo da tecnologia difere inteiramente do tempo vital. Uma máquina moderna imita a vida, porque é capaz de interagir com o ambiente. A máquina, porém, é a realização de uma ideia por meio de montagem de partes; montagem que, no ciclo industrial, se repete indefinidamente em modelos idênticos. E, para conhecê-la, basta perguntar: – “como funciona este aparelho?”.
A vida, ao contrário, realiza-se e renova-se a si mesma. Não há ideia prévia de seu devir e ela se manifesta, quando é vida humana, em atos originais que expressam a unicidade da pessoa. Cada ser humano aparece no mundo como único. Para conhecer alguém, necessita-se de tempo, convivência, atenção, até que se desvele a presença que nenhuma ideia jamais poderá traduzir. No entanto, no mundo automático, os imperativos de eficiência e padronização tornam-se valores para a vida em geral. E os espaços da gratuidade e do encontro cedem lugar à organização crescente e à “performance” espetacular. Quando se desvaloriza o que há de original (fora dos padrões) e se supervaloriza a racionalidade técnica em todos os âmbitos da vida, promove-se, fatalmente, a anulação da identidade pessoal, a falta de atenção ao movimento interior da consciência e a imitação mecânica dos ídolos.
Assim, a questão crucial do sentido da vida vê-se afetada. Esta só encontra resposta na experiência da “sintonia” entre a intimidade de cada ser humano e os valores do solo cultural em que este se enraíza. Ora, quando os valores se tornam obstáculo ao mundo interior, a vida depara-se com o vazio e o desespero. Para reequilibrá-la, assim como já começamos a cuidar da ecologia, urge escolhermos a vida simples, com mais tempo para o diálogo e o encontro de amigos e amores. Um mundo com espaços silenciosos, destinados a nos desligarmos das máquinas e do automatismo, para nos “re-ligarmos” ao mistério que nos envolve, e alimenta, em nós, o desejo de viver.
*Álvaro Mendonça Pimentel é doutor em Filosofia pela Universidade Federal de Minas Gerais